Celso Amorim: ‘EUA têm que nos respeitar e não podem nos tratar como quintal’

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    Crédito, BBC News BrasilLegenda da foto, Celso Amorim é o principal conselheiro de Lula para assuntos internacionaisArticle informationAos 83 anos de idade e com mais de 60 anos de carreira, o diplomata e assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, acompanhou a passagem de pelo menos 11 presidentes americanos pela Casa Branca. Mesmo acostumado às turbulências das relações internacionais, Amorim admite alguma surpresa diante dos primeiros meses do governo do presidente Donald Trump e como o republicano, segundo Amorim, alterou a ordem internacional. “Agora, vale a força”, diz Amorim em entrevista à BBC News Brasil.Amorim já serviu como ministro das Relações Exteriores durante o governo do ex-presidente Itamar Franco, entre 1993 e 1995, e nos dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2003 e 2010. Ele também atuou como ministro da Defesa durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e, hoje, ocupa um gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto onde mantém reuniões frequentes com Lula.Foi também, em entrevista concedida à BBC News Brasil, ue Amorim analisou os impactos da atual gestão de Trump e criticou o que chamou de “renovação” da Doutrina Monroe, segundo a qual o continente americano deveria ser uma área de influência dos Estados Unidos. Nesta semana, o secretário de Defesa americano, Pete Hegseth, disse que os Estados Unidos tentariam recuperar o seu “quintal”, em referência à América Latina. Amorim, por sua vez, cobrou respeito.”Eles têm que nos respeitar e não podem nos tratar como quintal”, afirma.Amorim diz acreditar que a nova ordem internacional tende a ser um lugar mais hostil a países como o Brasil e que, por isso, seria importante o país diversificar seus parceiros econômicos. Segundo ele, o Brasil não depende e nem quer vir a depender apenas da China, seu principal parceiro econômico. Em relação à guerra na Ucrânia, Amorim disse concordar com parte da estratégia adotada por Trump ao incluir a Rússia nas negociações de paz. Segundo ele, a estratégia anterior, que previa derrotar os russos, não daria resultado. “A ideia de que se pode derrotar a Rússia não é uma boa. É uma ilusão. Hitler tentou. Napoleão tentou e deu no que deu.” Sobre a crise política na Venezuela, onde eleições terminaram contestadas pela oposição e o resultado não foi reconhecido pelo Brasil, Amorim nega que o governo brasileiro tenha errado ao confiar que o presidente Nicolás Maduro garantiria a realização de eleições justas no país.”Você sempre tem que fazer uma aposta e eu sempre procuro apostar no lado positivo.”Confira os principais trechos da entrevista.Crédito, Ide Gomes/G20Legenda da foto, Amorim já foi ministro das Relações Exteriores de Itamar Franco e nos primeiros governos LulaBBC News Brasil – O senhor tem mais de 60 anos na diplomacia. Já acompanhou pelo menos 11 presidentes americanos. Donald Trump muda a ordem mundial?Celso Amorim – Muda e muda bruscamente. Todos nós queríamos mudar um pouco a ordem mundial, melhorá-la e torná-la mais democrática e mais representativa. O Trump, com o estilo dele, olhando os interesses dele ou como ele acha que são os interesses norte-americanos, mudou (a ordem internacional) em duas ou três tacadas. Fez isso na atitude em relação à Rússia, que até tem lados positivos, e na questão econômica. Agora, como a ordem mundial vai se organizar e como isso vai ser é uma (dúvida) mas que não é o mesmo mundo, não é.BBC News Brasil – Considerando essas mudanças, na sua avaliação, Trump é a causa delas ou sintoma de algo maior?Amorim – Nenhum presidente deixa de representar as forças que existem em seu país. O que eu vejo de grande diferença do Trump em relação a todos os outros presidentes americanos com os quais eu pelo menos tive alguma relação é que, para ele, o sistema multilateral e o interesse americano são coisas contraditórias. No caso do comércio, isto está muito evidente. Na realidade, o que o presidente Trump fez foi bilateralizar. Agora, tudo vai ser discutido bilateralmente, onde eles obviamente têm mais força. Agora, vale à força.BBC News Brasil – Esse é um novo mundo mais hostil ao Brasil?Amorim – Acho que sim. E não só para o Brasil. É mais hostil para todo mundo. No fundo, muitos economistas americanos, não necessariamente democratas, acham que é ruim para os Estados Unidos, também. Mas é claro que para um país em desenvolvimento que está lutando para firmar seus direitos, ter um foro multilateral é absolutamente fundamental no comércio e será também em outras áreas. O Brasil, talvez, digamos, seja menos diretamente atingido, porque o Brasil já tem relações relativamente diversificadas, com uma predominância da China, que responde por 30% das nossas exportações. Mas mesmo antes que a China surgisse, o Brasil já tinha um comércio diversificado. Por isso que surgiu a proposta do acordo com a União Europeia. Trabalhar dentro de um sistema em que você pode estar sujeito a uma retaliação ou ação arbitrária como aumento de tarifas e não ter como reclamar é muito ruim.BBC News Brasil – O presidente Trump disse ontem em uma entrevista que a América Latina talvez devesse ter que escolher entre Estados Unidos e China na hora de fazer acordos…Amorim – O Brasil não vai fazer essa escolha. Os Estados Unidos são muito importantes para nós e continuarão a ser. Queremos que continuem a ser. Mas outros países também são importantes. A China é, obviamente, mas outros países também, como a Índia e a União Europeia. Espero que os europeus percebam que é estratégico para eles [o acordo com o Mercosul]. Eu não amo o acordo no detalhe, mas acho que, para a organização da ordem mundial, o acordo com a União Europeia ficou importante. Não queremos depender de um único país. Tenho grande simpatia pela China, temos uma relação muito boa. Fizemos até uma proposta com relação à paz na Ucrânia. Foi a primeira vez que o Brasil fez uma proposta com um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Mas não queremos depender só da China. Nem é bom para a China. O que é bom é o sistema multilateral e equilibrado. Os americanos defendiam um sistema baseado em regras. Mas [nós defendemos] regras multilateralmente aceitas. Não podem ser as regras que um país faz. Nem dos Estados Unidos e nem da China. Tem que ser uma coisa global.Crédito, BBC News BrasilLegenda da foto, Amorim diz que o Brasil não terá que fazer uma escolha entre EUA e China em meio a acirramento entre as duas potênciasBBC News Brasil – Neste contexto, quem é um parceiro internacional mais confiável? Estados Unidos ou China?Amorim – Não posso dar uma resposta genérica. Não temos tido nenhum problema na relação com a China e procuramos ter uma relação boa com os Estados Unidos. Respeitamos as escolhas até certo ponto pragmáticas que o presidente americano possa fazer, mas confiamos no sistema multilateral. Isso é que é importante. Não sou inocente. Tenho 83 anos de idade, 60 anos de diplomacia. Sei que as forças econômicas e militar pesam muito. Mas, se você tem regras que são aceitas multilateralmente, você navega ali dentro.BBC News Brasil – O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, disse que os Estados Unidos iriam recuperar o que ele chamou de seu quintal, em referência à América Latina. O que essa declaração revela? Na sua opinião, a América Latina pode ser “recuperada” pelos americanos?Amorim – Bom, não sei se ela foi perdida, e nem é o caso. Falo mais, nesse caso, da América do Sul. Respeito muito os interesses dos países centro-americanos. A América do Sul tem uma individualidade. Poderia ter e deveria ter. Por isso que trabalhamos pela Unasul [União de Nações Sul-Americanas], e isso não tinha nada de ideológico. O Brasil é um grande país, mas para você falar nesse mundo com países que tem 1,4 bilhão de habitantes como China ou Índia, ou que tenham PIBs [Produto Interno Bruto] que são sete ou oito vezes o nosso, temos que estar unidos na América do Sul.Essa renovação da Doutrina Monroe, com esse enfoque, é inaceitável e não ocorrerá. Pode haver conflitos. Espero que não. Espero que a gente possa dialogar como sempre dialogamos. Dialogamos, por exemplo, com o presidente George W. Bush. Tivemos divergências importantíssimas, não só globais, como a Guerra do Iraque, mas em temas específicos, mas foi tudo conversado. Eles fizeram concessões, nós fizemos concessões, mas como diz o presidente Lula: eles nos trataram com respeito. O que a gente quer é respeito. A gente respeita o que os Estados Unidos querem fazer, mas eles têm que nos respeitar e não podem nos tratar como quintal.BBC News Brasil – Há algumas semanas, o Departamento de Estado dos Estados Unidos soltou uma nota bastante dura em relação ao Brasil, dizendo que bloqueio de alguns serviços de internet e de redes sociais aqui no Brasil seria incompatível com os valores democráticos. Ao mesmo tempo, vemos o bolsonarismo fazendo uma campanha muito forte nos Estados Unidos por sanções contra o governo brasileiro e contra ministros do STF. O senhor vê esse tipo de sanção acontecendo?Amorim – Não creio. Para falar a verdade, temos falado pouco com os americanos, pelo menos do meu lado. Quando a minha contraparte foi nomeada, eu mandei uma carta, e até hoje ele não respondeu. Fico esperando contatos indiretos. Agora [sobre as sanções], eu acho que não. O Trump dois é diferente do Trump um. Ele é muito ideológico, mas em outro sentido. Ele é ideológico no sentido de destruição de valores. Está muito mais voltado a, digamos, a se afastar dos ensinamentos europeus do que a um culto às coisas que ocorreram no Brasil no passado. BBC News Brasil – A revista The Economist usou o termo “novo imperialismo” para classificar algumas características da nova política externa dos Estados Unidos. O senhor concorda?Amorim – Quando a The Economist fala em novo imperialismo, está tudo bem. Mas se eu falar em novo imperialismo vai cair o mundo em cima de mim. Deixe a revista The Economist falar.BBC News Brasil – O presidente Lula prometeu que, se os Estados Unidos impusessem tarifas, o Brasil reagiria com reciprocidade. Já se passaram mais de duas semanas, e o Brasil não anunciou nada. Por que o governo não cumpriu essa promessa?Amorim – Vamos agir com serenidade, mas obviamente também mostrando que não somos passivos. Existe ainda alguma expectativa de uma possível negociação. Acho que foi muito importante o Congresso Nacional aprovar [a lei de reciprocidade comercial] com quase unanimidade, inclusive com apoio do agronegócio. Criamos uma unidade nacional em torno da possibilidade de reagir. Agora, está lá. Vamos ver como as negociações progridem. O melhor da retaliação permitida pela OMC [Organização Mundial do Comércio] é não precisar usar. Mas ela está lá.Crédito, Ricardo Stuckert/Presidência da RepúblicaLegenda da foto, Amorim foi um dos principais articuladores da reaproximação entre Brasil e Venezuela no atual governo LulaBBC News Brasil – Lula defendeu desde antes de assumir o terceiro mandato que a Rússia fosse incluída nas discussões por um acordo de paz em relação à guerra da Ucrânia. Trump assumiu e passou a negociar com a Rússia. Trump está certo na sua estratégia para acabar com a guerra na Ucrânia?Amorim – Não sei qual é a estratégia que ele tem na cabeça, mas, no aspecto de defender que haja diálogo entre os dois países e que se encontre uma solução pacífica, eu acho certo. Tenho muitas afinidades com muitas coisas que os europeus dizem, mas acho que, quando falam que vão derrotar a Rússia, eles estão incorrendo em uma grande ilusão. A história já mostrou isso. A negociação é muito importante e acho que Trump quebrou o gelo. Não estou comentando o estilo dele. Mas o fato de ter começado uma conversa e de haver um diálogo entre a Rússia e os Estados Unidos é uma coisa muito importante. A estratégia anterior não ia dar certo. BBC News Brasil – Tanto a proposta sino-brasileira quanto a direção para onde caminham as negociações entre Estados Unidos e Rússia envolvem, em alguma medida, o reconhecimento da anexação da Crimeia e a perda de território anteriormente sob o controle da Ucrânia. Essa solução não deixa a Europa continental mais insegura?Amorim – A segurança da Ucrânia também tem que ser mantida, mas tem que haver uma ideia de reciprocidade na segurança. Tem que haver uma solução pelo diálogo que envolva, também, a segurança estratégica na Europa. Tanto a segurança dos europeus quanto dos russos. Volto a esse ponto: a ideia de que se pode derrotar a Rússia não é uma boa. É uma ilusão. Hitler tentou. Napoleão tentou, e deu no que deu.BBC News Brasil – Em fevereiro deste ano, especulou-se que o Brasil poderia enviar tropas para compor uma força internacional de paz na Ucrânia. O Brasil foi consultado sobre isso?Amorim – Não chegamos a esse ponto ainda. Para se pensar em forças de paz, temos que pensar onde ela vai ficar. Nada disso está claro.BBC News Brasil – Mas o Brasil foi consultado sobre enviar tropas? E estaria disposto a enviar?Amorim – Isso tem sido mencionado, sim, mas consultado formalmente, não me consta.BBC News Brasil – Lula vai participar do dia da Vitória em Moscou. É um dos principais eventos nacionais da Rússia e também uma grande demonstração de poder militar e político do presidente Vladimir Putin. Por que Lula vai prestigiar Putin nesse momento em que ele é alvo de um mandado de prisão pelo Tribunal Penal Internacional e em que a Rússia ainda ocupa parte de um país soberano?Amorim – O Brasil sempre teve boas relações [com a Rússia]. Fui enviado lá pelo presidente Lula para conversar com o próprio Putin. A gente pode criticar e deve criticar certas ações que foram tomadas, mas, agora, nós temos que resolver o problema que existe. E o problema que existe envolve também as preocupações de segurança [da Rússia]. Temos que pensar nas preocupações de segurança de todos. Fui ministro durante muitos anos, convivi com Putin, e convivíamos com a Ucrânia. Nunca senti a ameaça de uma guerra. Mas quando se começou a admitir, em 2008, a ideia de que a Ucrânia poderia ter bases de foguetes ou radares americanos e, depois, começaram a falar sobre a entrada da Ucrânia na Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], isso mexe com preocupações centenárias [da Rússia].BBC News Brasil – Mas um dos pilares da política externa brasileira é o respeito à soberania dos povos e à integridade territorial. Neste momento, Putin comanda um país que invadiu outro país soberano. Por que Lula vai participar da principal manifestação militar russa?Amorim – A vitória da Segunda Guerra Mundial, que às vezes os países ocidentais também procuram esconder, começou com uma batalha de Stalingrado. É um grande momento. Você está comemorando a vitória contra o nazismo. Acho que é nesse espírito. O Brasil tem relações normais [com a Rússia]. Você ir lá não quer dizer que você concorda com tudo o que a Rússia faz. O presidente Lula foi aos Estados Unidos pouco depois dos Estados Unidos ter invadido o Iraque. Estávamos referendando? Não. Acho que essa associação não é válida.Crédito, Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação RussaLegenda da foto, Amorim defendeu que Rússia fosse incluída nas negociações de paz da guerra na Ucrânia, posição agora adotada por TrumpBBC News Brasil – O Brasil está sediando os Brics. Putin virá?Amorim – Não. Não creio. As circunstâncias do mundo mostram que isso é uma total improbabilidade.BBC News Brasil – Trump já fez uma série de declarações em relação aos Brics. Ameaçou impor tarifas para aqueles países que tentassem, de alguma forma, diminuir a utilização do dólar. Em que medida os Brics são uma ameaça à hegemonia americana?Amorim – Os Brics não são uma ameaça à hegemonia de ninguém. Aliás, não gostamos de hegemonia, de qualquer maneira. Os Brics são uma força de equilíbrio no mundo. Uma pergunta me foi feita por um amigo britânico que já foi ministro: “Por que vocês dão tanta importância aos Brics?”. Eu falei: “Para fortalecer o G20”. Porque o que estava acontecendo ultimamente é que o G20, que tinha sido criado logo depois da crise do Lehman Brothers [em 2008] estava regredindo, e tudo estava voltando para o G7. O mundo não pode ser mais governado pelo G7.BBC News Brasil – Muitos analistas afirmam também que os Brics foram sequestrados pelos interesses anti-Estados Unidos da China e, em alguma medida, da Rússia. Como o senhor avalia isso?Amorim – Só posso dizer que isso é uma bobagem. Cada um puxa [o bloco] para acentuar mais os seus interesses. Isso é normal. O Brasil também tem os seus. Não há nenhum desejo de diminuir a importância do dólar. O problema do dólar são os Estados Unidos que estão criando quando eles impõem sanções absurdas.BBC News Brasil – Em 2023, Lula apostou na reabilitação da Venezuela no cenário internacional. As eleições que ocorreram lá não tiveram seu resultado reconhecido pelo Brasil, assim como por outros países. Após essa eleição, houve perseguição a dissidentes e alguns tiveram que fugir. Outros, inclusive, estão asilados em embaixadas que hoje estão sob a custódia do Brasil. A Venezuela vive hoje uma ditadura?Amorim – Não vou discutir a situação interna da Venezuela. Acho que, quando a gente puder trabalhar por paz e conciliação, a gente trabalha. Agora, eu não vou dizer a você que seja um diálogo fácil. Eu mesmo fui considerado persona non grata por um dirigente venezuelano. Fui considerado um agente americano. Como, às vezes, me consideram antiamericano, acho que deu um bom equilíbrio. Mas a gente quer dialogar. A política de sanções é ruim. Não é o caminho.BBC News Brasil – Maduro deu, segundo oposicionistas, seguidas demonstrações de que ele não era um parceiro confiável. O Brasil errou ao confiar que Maduro garantiria eleições justas no ano passado?Amorim – Em todas as relações internacionais, isso é uma aposta. Você sempre tem que fazer uma aposta, e eu sempre procuro apostar no lado positivo. Não acho que tenha sido erro, e nem nós dissemos que tínhamos certeza de antemão que as coisas iam correr bem ou não. Mas apostamos. Acho que foi um erro, por exemplo, União Europeia não ter mandado os observadores. Isso teria sido uma coisa importante. Acho que houve foi uma série de fatores. Acho, sobretudo, que não sou eu que tenho que julgar o que é melhor para o povo venezuelano. A gente ajuda no diálogo no que for possível.BBC News Brasil – Lula também mencionou, em 2023, uma possível reedição da Unasul. Hoje, fala-se muito pouco de iniciativas em relação à integração da América do Sul. Lula, como presidente do maior país da América do Sul, é um líder internacional ou regional mais fraco do que ele já foi no passado?Amorim – Não é mais fraco. Acho que é o contrário. Ele é até mais respeitado mundialmente. O Brasil é mais chamado. Um exemplo é o acordo [de paz na Ucrânia] com a China. O Brasil tem um relacionamento excelente [na comunidade internacional], foi chamado para todas as reuniões que dizem respeito ao clima, à pobreza, e tivemos presidência do G20, que foi um êxito. Agora, acho que a América do Sul hoje é mais complexa. Temos o surgimento da extrema-direita, que não é um fenômeno só da América do Sul, mas que, na América do Sul, está muito enraizado e, obviamente, complica essas iniciativas.BBC News Brasil – Hoje, a presidência do Mercosul está com a Argentina. A estratégia do Brasil é deixar terminar essa presidência para tentar finalizar o acordo quando o Mercosul estiver sob a presidência do Brasil, no segundo semestre?Amorim – Não é propriamente uma estratégia. Se pudesse terminar agora, ótimo. Mas o próprio andamento das coisas torna irrealista esperar por isso. O que acho importante é que temos uma relação privilegiada com a França em muitos aspectos. E a França tem uma importância muito grande nisso tudo, e seria importante passar a percepção de que com essa questão de termos uma nova ordem [internacional], o acordo da União Europeia com o Mercosul seria positivo para uma ordem mundial mais harmônica e menos exposta a ações unilaterais.BBC News Brasil – Com Trump e o premiê israelense Benjamin Netanyahu, a solução de dois Estados para a Palestina está enterrada?Amorim – Nós não podemos considerar que está enterrada. Isso é um direito do povo palestino, assim como a existência do Estado de Israel. Sempre tivemos um diálogo normal, mas acho que hoje isso não existe. Só existe a força das armas, mas nunca abandonaremos a ideia de que o povo palestino tem direito ao seu Estado respeitando as fronteiras de 1967.BBC News Brasil – Mas, analisando a realidade hoje, essa solução está mais longe ou mais perto?Amorim – Naquela época [durante os dois primeiros mandatos de Lula], essa solução me parecia mais perto. Hoje, ela me parece, obviamente, mais difícil, mas é a única. Esse é o problema quando você tem só uma única solução. Não existe outra solução. Nem se pode acabar com o Estado de Israel, como querem os radicais de vários países, nem fazer com que a Palestina deixe de existir como um Estado independente, seguro, economicamente viável e com liberdade para escolher seus governantes.BBC News Brasil – O governo brasileiro acabou de anunciar a concessão de asilo e trouxe para o Brasil a ex-primeira-dama do Peru, Nadine Herédia, condenada por corrupção no Peru. Por que o Brasil enviou um avião para trazer para cá uma pessoa condenada por corrupção? Amorim – Não quero me aprofundar nesse assunto, porque não tratei dele a fundo. Mas o Brasil é signatário de convenções de asilo, e, aliás, quem mencionou essa convenção foi o governo peruano e, com base nisso, ofereceu um salvo-conduto a ela.BBC News Brasil – Mas isso não pode projetar uma imagem de que o Brasil está dando abrigo a alguém condenado por corrupção.Amorim – Olha… Essa coisa das pessoas condenadas por corrupção… Você sabe que varia muito. Conheço muitas pessoas que foram condenadas por corrupção e que, tenho certeza, não cometeram nenhum ato de corrupção.BBC News Brasil – O senhor está se referindo a quem especificamente? Ao presidente Lula?Amorim – O presidente Lula foi injustamente condenado, e o próprio Supremo Tribunal Federal no Brasil depois considerou isso. Curitiba era visitada por mais políticos importantes e estadistas internacionais do que a sede do governo brasileiro naquela época porque eles também tinham essa visão.BBC News Brasil – Vemos um cenário de disputa acirrada entre Estados Unidos, China e Rússia. Como o Brasil pode fazer para não ficar nesse fogo cruzado e que consequências isso pode ter?Amorim – O Brasil procura manter relações boas com todos. Há mil coisas que podem ser feitas, mas o fato singular para garantir equilíbrio nesse mundo era finalizar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia porque isso daria uma relação da Europa com a América do Sul que eles não têm. E todos nós também temos que pensar na África, que nós não mencionamos. A África não pode ficar sujeita a golpes de Estado e a intervenções. Ninguém fala das intervenções europeias na África, mas houve muitas. Tudo isso tem que ser levado em conta.



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