Conclave: quanto poder um papa realmente tem?

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    Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Católicos vestidos com trajes tradicionais javaneses se preparam para a procissão da Missa de NatalArticle informationMais de 1,4 bilhão de pessoas ao redor do mundo são católicas, segundo os dados mais recentes do Vaticano. Isso representa cerca de 17% da população mundial.Não é surpresa, então, que o papa Francisco, morto nesta segunda-feira (21/4) aos 88 anos, tenha atraído multidões durante sua viagem à Ásia em 2024, com quase metade da população de Timor-Leste participando de uma missa campal. No ano anterior, mais de um milhão de pessoas enfrentaram o sol escaldante para acompanhar uma missa no aeroporto de Kinshasa, na República Democrática do Congo, durante sua visita a dois países africanos.A capacidade de reunir tantas pessoas — e tamanha devoção — é apenas um dos sinais da influência duradoura tanto do papa quanto da Igreja Católica no mundo.O papa lidera não apenas os fiéis católicos, mas também o Estado da Cidade do Vaticano e seu órgão governante — a Santa Sé. A Santa Sé é considerada uma entidade soberana segundo o direito internacional. Em outras palavras, é um participante formal dos assuntos internacionais, com relações diplomáticas plenas com 184 países e com a União Europeia. A posição do papa como chefe de Estado e de governo, além de líder espiritual de mais de um bilhão de fiéis, faz dele um dos líderes religiosos mais influentes do mundo.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Papa Francisco no ‘papamóvel’ em meio a uma multidão de católicos em Timor-Leste após celebrar uma missa campal durante visita em 2024A Santa Sé tem status de Observador Permanente nas Nações Unidas, o que lhe garante assento em uma das mesas de decisão mais influentes do planeta. Apesar de não ter direito a voto, pode participar das reuniões e exercer influência nas discussões. Em 2015, por exemplo, antes da assinatura do Acordo de Paris sobre o clima, o papa Francisco criticou o que chamou de “indiferença arrogante” dos que colocavam interesses financeiros acima dos esforços para salvar o planeta. A forma e o momento dessa intervenção foram vistos como particularmente úteis para os países do Sul Global.Já em 2024, a Santa Sé bloqueou a discussão sobre direitos das mulheres na cúpula climática da ONU, após um impasse envolvendo questões de gênero e sexualidade. O acordo em pauta previa apoio financeiro para mulheres na linha de frente das mudanças climáticas. O Vaticano, juntamente com Arábia Saudita, Rússia, Irã e Egito, manifestou preocupação de que o texto pudesse incluir mulheres trans e exigiu a retirada de menções a mulheres lésbicas. Apesar das duras críticas, o episódio evidenciou o poder da Igreja de influenciar acordos com impacto direto na vida de milhões de pessoas.O acordo de normalização das relações entre EUA e Cuba, em 2014, foi outro exemplo da diplomacia papal bem-sucedida. Os então presidentes Barack Obama e Raúl Castro agradeceram publicamente ao papa Francisco por ter intermediado o processo. Francisco escreveu cartas a ambos e sediou uma reunião secreta no Vaticano para facilitar a aproximação — embora os EUA tenham revertido parte do acordo durante o governo de Donald Trump.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Papa Francisco e o então presidente dos EUA, Barack Obama, durante visita a Washington em 2015Mas é a contribuição da Igreja para a democracia nas últimas décadas que representa sua maior conquista, segundo o professor Daved Hollenbach, do Berkley Center for Religion, Peace and World Affairs, nos EUA. O Concílio Vaticano II, na década de 1960 — quando a Igreja revisou criticamente seus ensinamentos e direções — marcou o compromisso com a defesa dos direitos humanos e da liberdade religiosa, algo que Hollenbach classifica como “um avanço significativo”.O professor cita o trabalho do cientista político Samuel Huntington, segundo o qual “durante o papado de João Paulo II, até o início do pontificado de Francisco, três quartos dos países que fizeram a transição do autoritarismo para a democracia tinham forte influência católica”.”Tudo começou com a transição da Espanha e de Portugal, que se afastaram dos regimes de Franco e Salazar, e depois se espalhou pela América Latina. Em seguida, chegou a países como Filipinas e Coreia do Sul, onde também há presença católica significativa”, afirma Hollenbach, parafraseando Huntington.Segundo ele, o trabalho do papa João Paulo II ajudou a abrir caminho para a democracia em seu país natal, a Polônia, e “acabou contribuindo para o colapso da União Soviética e a disseminação da democracia em várias partes de seu antigo império”.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Cerimônia de encerramento do Concílio Vaticano II, em Roma, em 1965Farpas políticasNo entanto, o Vaticano nem sempre consegue influenciar os líderes mundiais. Quando o vice-presidente dos EUA, JD Vance — ele próprio católico — usou argumentos teológicos para justificar a política migratória do governo, o papa escreveu uma carta contundente lembrando que Jesus também foi um refugiado. O “czar da fronteira” dos EUA, Tom Homan — também católico — respondeu: “O papa deveria consertar a Igreja Católica”.Em 2020, o então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, também atacou o pontífice após ele defender a proteção da Amazônia. “O papa pode até ser argentino, mas Deus é brasileiro”, declarou Bolsonaro.A influência social da Igreja diminuiu na Europa, com muitos apontando que suas posições conservadoras sobre direitos LGBT+, contracepção e aborto não acompanham o século 21. A recusa de Francisco em permitir que mulheres ocupem certos cargos de liderança, como sacerdotes ou diáconas, é mais um sinal disso.Crédito, ReutersLegenda da foto, Papa João Paulo 2º encontra o então presidente soviético, Mikhail Gorbachev, no Vaticano em 1990Na América Latina, embora a Igreja Católica ainda seja uma força importante, sua influência já foi maior. A Igreja antes era peça-chave na formulação de leis restritivas sobre o aborto na região, mas nos últimos 20 anos países como Uruguai, México, Argentina e Colômbia ampliaram o acesso ao procedimento, contrariando a doutrina católica.O crescimento do cristianismo evangélico também ameaça o número de fiéis e o poder político da Igreja. No Brasil, país com o maior número de católicos do mundo, alguns analistas preveem que, em apenas cinco anos, o catolicismo deixará de ser a religião majoritária. Além disso, revelações contínuas sobre abusos sexuais cometidos por clérigos — e o papel da Igreja em acobertá-los — têm corroído sua reputação globalmente.Ainda assim, quem ocupa o posto de chefe da Igreja Católica continua exercendo uma influência que poucos líderes no mundo possuem. Isso se deve em parte à posição do papa como líder do maior ramo do cristianismo e, ao mesmo tempo, chefe de Estado. Seja beijando os pés de líderes em conflito no Sudão do Sul, seja confortando migrantes em campos de refugiados na Grécia, as ações do pontífice — e o papel da Igreja Católica — continuam moldando debates globais.



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