Pedofilia na Igreja Católica: as novas denúncias contra padres na Colômbia

    5
    0



    Crédito, BBC MundoArticle informationAuthor, BBC News MundoRole, Há 4 minutos”Olá, Natalia, como você está?Também fui coroinha na mesma época que você.Algo muito parecido aconteceu comigo com aquele asqueroso; por isso, acredito 100% em você.”Natalia Restrepo recebeu esta mensagem com um pedido de amizade no Instagram, no dia 23 de julho de 2023.Duas semanas antes, a BBC havia publicado sua denúncia contra um padre católico. Ela o acusou de tê-la violentado e obrigado a abortar em 2004, quando tinha 14 anos de idade, no município de Envigado, ao sul de Medellín, na Colômbia.Ela não foi a única a se identificar com a reportagem. Além de Natalia e Liliana, a BBC recebeu outras cinco denúncias de abusos ocorridos em Envigado.A BBC News Mundo viajou para a região para conversar com os acusadores, autoridades locais e especialistas em direito penal, direito canônico e em saúde mental. A reportagem também consultou a Promotoria e a Igreja Católica colombiana.O relato abaixo resume os questionamentos formulados nos últimos 20 meses.Por medo de represálias ou punições sociais, todas as pessoas que decidiram denunciar publicamente que foram vítimas de abusos quando ainda eram menores de idade solicitaram a proteção da sua identidade, da mesma forma que aquelas que concordaram em confirmar os testemunhos.Carisma e lanchesLiliana, Luisa, Paula e Gisele, da mesma forma que Natalia Restrepo, cresceram em famílias católicas e foram coroinhas (“acólitas”, como se diz na Colômbia) na paróquia de Santa Gertrudes, em Envigado, até o final dos anos 1990 e início dos anos 2000.As cinco conheceram o padre Iván Darío Restrepo Salazar quando eram menores de idade. Elas o descrevem como um homem muito carismático, divertido, simpático, que tocava violão e tinha boa voz. Todas elas afirmam que ele gostava de consumir álcool.Este é o testemunho de Gisele, que hoje tem 37 anos:Gisele: Conheci Iván antes que ele se tornasse padre e gostava muito dele, porque era muito alegre e tinha muita disposição. Éramos próximos porque ele também trabalhou no colégio onde estudei.Uma vez, saí com ele quando já era sacerdote. Eu tinha cerca de 15 anos. Ele bebia muito e, naquela vez, bebeu demais.Quando me levou para casa de carro, ele tentou tocar a minha perna. Foi um momento incômodo e não me pareceu normal, mas, quando alguém gosta de uma pessoa, começa a justificar e pensei: “é porque está bêbado”.Gisele, Natalia e as outras três mulheres contam que, como as outras crianças e jovens que frequentavam a igreja naquela época, elas costumavam ficar na casa paroquial, depois das atividades pastorais.Foi neste contexto que ocorreram as situações denunciadas pelas amigas Paula e Luisa. Ambas têm hoje 35 anos.Luisa: Paula e eu íamos juntas para todos os lugares.Paula: Um dia, estávamos com Iván no seu quarto e ele comentou que era normal que os padres tivessem namoradas, porque são homens e sentem. Também disse que, por isso mesmo, eles também precisam se masturbar e que isso era muito normal.Luisa: Em certo momento, ele começou rapidamente a nos tocar muito no joelho e na perna. Nós fugíamos, mas ele voltava a agarrar com desejo. Muito fora de contexto.Nós não sabíamos o que fazer.Crédito, David EstradaLegenda da foto, A paróquia de Santa Gertrudes fica na praça principal de Envigado, na ColômbiaLiliana, hoje com 33 anos, passou por algo parecido ao lado de Carla, sua amiga desde pequena. Ela denuncia diversos episódios.Liliana: Iván era um padre muito carismático, ele nos ajudava a fazer tarefas e, como tinha computador, ele o emprestava para nós imprimirmos ou fazermos buscas na internet.No começo, era um ambiente muito agradável. Nós fomos criando confiança e passou a ser normal entrar no quarto dele.Ele sempre nos convidava para tomar lanche, mas era preciso ir buscar na cozinha, de forma que ele mandava uma e ficava com a outra.Um dia, entramos os três na casa paroquial. Ele pediu a Carla que fosse à cozinha e eu disse rapidamente: “Também vou.”Minha insistência em ir com ela chamou a atenção de Carla. E, na saída, ela me perguntou: “Por que você saiu correndo e não quis ficar com o padre?”Decidi contar a ela que, sempre que ficava, ele tentava se aproximar me tocando muito.Carla me disse que, com ela, ele fazia o mesmo. Nós não sabíamos o que fazer. A cada vez, aumentava mais a intensidade.Até que, na última vez, ele começou a tocar seus genitais. Depois, ele me encurralou contra uma parede, ao lado do banheiro, e tentou me tocar, mas consegui me soltar e, na mesma hora, chegou Carla.Nós não contamos para ninguém, mas decidimos nos afastar dele. Começou a me dar medo.A BBC News Mundo teve acesso a uma mensagem na qual Carla confirma o relato de Liliana, mas ela preferiu não divulgar seu testemunho ao público.Em relação à versão do sacerdote acusado, a assessoria de imprensa da Arquidiocese de Medellín indicou à BBC, em 2023, que ele tinha autonomia para decidir se responderia ou não às solicitações da imprensa.Todas as tentativas para conseguir sua versão, no ano da publicação do testemunho de Natalia Restrepo e agora, em 2025, sobre as novas denúncias recebidas, ficaram sem resposta.Seu nome e algumas fotografias do seu rosto foram publicados pela imprensa local.Outros sacerdotesA BBC News Mundo também recebeu duas denúncias de supostos abusos por parte de outros sacerdotes de Envigado.Marcela tem hoje 45 anos. Ela pertence à primeira geração de mulheres servidoras do município.”Antes, eram apenas meninos, que eram chamados de coroinhas, até que nós, mulheres, também começamos a ser consagradas”, segundo ela.Marcela conta que, em 1994, o pároco de outra igreja de Envigado a convidou a colaborar na sua paróquia – entre outros motivos, porque ficava mais perto da sua casa.Foi ali que ocorreu o objeto da sua denúncia, dois anos depois. Ela tinha 16 anos.Marcela: O padre caiu e fraturou a mão direita. Ele então me perguntou se eu poderia colaborar na casa paroquial porque ele estava imobilizado. Eu respondi que sim e ele até me ofereceu um dinheirinho.No primeiro e único dia em que fui, cheguei de manhã porque estudava no período da tarde. O padre estava sozinho e me disse que precisava que eu o ajudasse a tomar banho.Eu fiquei surpresa porque pensava que a ideia fosse ajudá-lo com tarefas simples, já que, com uma mão só, é possível fazer várias coisas.Aquela era a primeira vez em que eu iria entrar no seu quarto. Eu estava no lado de fora quando ele me chamou: “Venha me ajudar.”Quando entrei no banheiro, fiquei ainda mais surpresa porque ele estava nu. Eu nunca havia visto um homem adulto sem roupa.Aquilo me deu muita vergonha e me assustou. Ele insistiu para que eu o ajudasse e eu tentava, mas olhando para o outro lado.Ali, ele agarrou minha mão e a colocou nos seus genitais. “Esfregue bem, assim”, dizia ele.Quando tudo terminou, eu me despedi e nunca mais voltei para aquele lugar. Fiquei meio que traumatizada.Crédito, David EstradaLegenda da foto, A cruz de madeira é um dos símbolos recordados pelos ex-servidores dos sacerdotes de EnvigadoComo Marcela, Orlando, que tem hoje 39 anos, foi coroinha e denuncia um fato que ocorreu com ele em um colégio católico de Envigado, com outro sacerdote. Foi em 1996, quando ele tinha 10 anos.Orlando: O capelão do colégio era um padre bem mais velho. Uma vez, eles me castigaram e me mandaram para ele, certamente para que me confessasse.O padre começou a me tocar e, em seguida, me masturbou.Ele conta que aquela não foi a única vez.Sete anos depois, quando já era adolescente, eu estava na entrada da minha casa quando aquele mesmo padre passou caminhando. Nós nos cumprimentamos, ele me perguntou se minha mãe estava em casa e eu respondi que não.”Então me mostre sua casa”, respondeu ele.Nós entramos e ele começou outra vez a me tocar e praticou sexo oral em mim. Ele chegou a se vangloriar de como fazia.Eu não disse nada para ninguém, fiquei com medo de que não acreditassem. Precisei esperar mais de 20 anos para compreender que o que aconteceu comigo foi abuso.A BBC tentou entrar em contato com os dois padres indicados nas denúncias, mas não foi possível localizá-los. Ambos constam do banco de dados público da Arquidiocese de Medellín, sem atribuição do seu ministério atual.Os dois foram ordenados sacerdotes há mais de 40 anos. Por isso, é possível concluir que, se estiverem vivos, devem estar hoje na terceira idade.O que acontece em Antioquia?Saber o número exato, não só de abusos, mas de denúncias contra sacerdotes católicos não é uma tarefa simples. Nem a Igreja, nem as autoridades civis, mantêm registros públicos de fácil acesso.Para obter os dados publicados nesta reportagem, a BBC News Mundo precisou apresentar cinco petições e recorrer a várias ações de tutela – um mecanismo legal que, se aprovado, obriga as instituições a apresentar as informações solicitadas.Além disso, como explicou o bispo e membro da Comissão Episcopal para a Cultura do Cuidado, monsenhor José Mario Bacci, cada jurisdição eclesiástica controla a quantidade de acusações separadamente e a Conferência Episcopal Colombiana não mantém um número consolidado nacional.Bacci reconhece que é preciso fazer “avançar o diálogo e o encontro com as vítimas e, para isso, é preciso saber quem e quantas elas são”.”Sabemos que não é apenas o caso de colocar números, mas sim de observar a dimensão dramática do problema, da situação vivida”, destaca o monsenhor. “Na verdade, este é um pedido do Vaticano para a Colômbia, em um relatório de 2024.”Embora o bispo não tenha se comprometido com uma data para que a Igreja consiga reunir os números, ele afirma que isso deve ocorrer em curto prazo, pois o trabalho já está sendo adiantado.O que os dados fornecidos pelas autoridades colombianas demonstram é que Antioquia – onde ficam as cidades de Medellín e Envigado – é o departamento que concentra a maior quantidade de acusações contra membros da Igreja Católica.Antioquia é o único departamento do país que conta com duas províncias eclesiásticas e duas arquidioceses, a de Medellín e a de Santafé de Antioquia.Somente a Arquidiocese de Medellín concentra, segundo sua página web, 341 paróquias e 662 sacerdotes, um número significativamente maior que os demais departamentos da Colômbia.Especialistas afirmam que esta dimensão é uma das razões que fazem com que aquela região concentre a maior parte das denúncias por delitos sexuais apresentadas contra sacerdotes católicos.Os nomes de alguns dos acusados são conhecidos publicamente desde 25 de agosto de 2022, quando o arcebispo de Medellín, monsenhor Ricardo Tobón Restrepo, publicou nas redes sociais uma lista de 36 sacerdotes denunciados por pedofilia perante a Arquidiocese, entre 1992 e 2022.Entre eles, estava o sacerdote denunciado oficialmente por Natalia Restrepo e, agora, também indicado por outras quatro mulheres.A publicação foi produzida depois que a Suprema Corte de Justiça aceitou a tutela interposta pelo jornalista colombiano Juan Pablo Barrientos, que investigava o assunto e exigiu que a Igreja fornecesse os dados, por serem considerados de interesse público.No final desta reportagem, dois gráficos indicam a evolução dos abusos denunciados à Arquidiocese e à Promotoria Pública de Antioquia.A denúncia de NataliaDas sete pessoas que ofereceram seu testemunho à BBC, Natalia Restrepo foi a única a divulgar seu nome real e apresentar denúncia formal à cúria de Medellín e à Promotoria Pública.Em relação à cúria, ela o denunciou em duas ocasiões. A primeira vez foi dois anos depois do ocorrido. Mas, como nunca recebeu resposta, ela decidiu apresentar nova denúncia em agosto de 2022.Em 2023, a Arquidiocese de Medellín confirmou à BBC News Mundo a existência das duas denúncias e admitiu que, no momento da apresentação da primeira, “não havia a formalidade de processos que existe atualmente, mas foram ouvidos o acusado e algumas testemunhas”.Depois da análise do caso, eles decidiram arquivar a investigação “até conseguir provas que nunca foram obtidas”.Mas, na lista publicada pela Arquidiocese em 2022, o caso de Natalia aparecia “em investigação”.Sobre a segunda denúncia, a Arquidiocese informou à BBC que, em agosto de 2023, um ano depois do seu recebimento, a investigação anterior do caso canônico foi encerrada e as conclusões foram enviadas para o Dicastério para a Doutrina da Fé, no Vaticano, como indica o protocolo interno.O tribunal católico em Roma autorizou a continuação do processo na própria Arquidiocese de Medellín. E, em abril de 2024, começou a etapa seguinte.Crédito, David EstradaLegenda da foto, Natalia Restrepo retornou a Envigado em 2022, para denunciar seu caso à cúria pela segunda vezEm relação aos trabalhos exercidos por Iván Darío Restrepo Salazar, a arquidiocese confirmou que ele foi nomeado pároco de uma igreja em Medellín em agosto de 2021 e que, desde então, continua exercendo esta função.Durante a investigação canônica, em andamento há mais de dois anos, a instituição religiosa convocou Natalia Restrepo a comparecer à Arquidiocese da cidade para onde se mudou, no Chile, em duas ocasiões. Ela respondeu perguntas sobre sua denúncia apresentada em Medellín.Na última ocasião, em 13 de março passado, o padre que a interrogou disse a ela que “parecia estranho que o sacerdote denunciado estivesse exercendo o sacerdócio porque, aqui no Chile, os sacerdotes são proibidos de exercer enquanto são investigados”, segundo Natalia.Ela pediu uma cópia do novo interrogatório por tê-lo considerado inadequado. Mas o sacerdote se recusou a entregar e não permitiu que ela fotografasse os documentos.”Ele me disse que iria consultar Medellín para saber se poderia entregar uma cópia e entraria em contato comigo no dia seguinte, mas isso não aconteceu e ainda não me contataram”, ela conta.A última notícia que ela recebeu é que o caso permanecia em investigação canônica. E, sobre sua denúncia perante a Promotoria, apresentada em setembro de 2022, Natalia recebeu uma resposta oficial em abril de 2023.Ela foi notificada por correio eletrônico que a investigação penal não seria realizada porque os delitos denunciados haviam prescrito, segundo a lei vigente na época dos acontecimentos.O dilema das vítimasOutro fator que dificulta a clareza sobre os números exatos de abusos cometidos por sacerdotes é que muitas vítimas de violência sexual decidem não denunciar o caso às autoridades, segundo especialistas consultadas pela BBC.Para a psiquiatra Lucrecia Ramírez, “é raro que as vítimas denunciem. Podem passar anos e até décadas para que elas falem.”A norma é o silêncio. E, de fato, é a decisão tomada por Liliana, Paula, Orlando, Gisele, Luisa e Carla. Um dos motivos está relacionado ao seu autorreconhecimento como vítimas.”A primeira coisa que a vítima se pergunta é se ela fez algo para provocar, entre aspas, esta situação”, explica a advogada Patricia Hernández, especialista em direitos humanos das mulheres.”Leva algum tempo, muitas vezes anos, para que ela compreenda que não tem culpa por nada do que tiver feito, pois a decisão de agredir é sempre do agressor.”Além disso, ela destaca que “como a violência sexual é um ato muito reprovável, ela é sempre cometida em espaços privados, onde se evita ao máximo que haja testemunhas”.A situação é ainda mais agravada quando o agressor é alguém de confiança.”Neste caso, é duplamente assustador”, destaca Ramírez. “Porque, além do tabu do tema sexual, o agressor é uma pessoa emocionalmente muito importante, que se supõe que ele nunca irá atacar você, nunca irá fazer mal, nunca irá desrespeitar você.”No caso dos sacerdotes, a especialista acrescenta que existe uma terceira ferida: a da divindade.”Eles são tão divinos que absolvem, consolam, cuidam ou castigam quando você se confessa. Não estou falando apenas da religião católica, mas da cosmogonia. Por isso é tão grave a pedofilia dentro das igrejas, por pessoas que representam a Deus.”O monsenhor Bacci declarou à BBC News Mundo que a Igreja Católica reconhece esta gravidade.”Um sacerdote que abusa de uma pessoa não causa apenas sua destruição como pessoa”, destaca ele. “Ele também lhe rouba a fé.”Crédito, BBC MundoOutro ponto destacado pelos especialistas é que, até quando a vítima consegue concretizar a denúncia, ela enfrenta frequentemente o fenômeno da revitimização, que ocorre tanto nos processos canônicos, quanto nos civis.”É o que acontece, por exemplo, quando os investigadores colocam em dúvida o que a pessoa está contando ou a criticam”, explica Hernández.”Isso ocorre porque as pessoas que estão à frente das investigações não possuem a idoneidade técnica para tanto ou se baseiam nos seus preconceitos pessoais.”Natalia Restrepo conta que enfrentou esta revitimização mencionada por Hernández. “Não me senti confortável com o funcionário da Promotoria que me atendeu.””Primeiro, porque se percebia que era uma pessoa muito religiosa, que tinha várias imagens de santos no seu escritório. Segundo porque, sem nem mesmo ler minha denúncia, ele começou a me fazer perguntas inadequadas sobre o abuso, especificamente sobre a penetração; e, terceiro, porque fazia comentários colocando em dúvida o meu relato, como se não acreditasse no que eu estava contando.”Restrepo afirma que algo parecido aconteceu com a cúria.”Na última vez, senti novamente muita impotência”, ela conta. “Além de me pedirem para repetir mais uma vez o que aconteceu, eles me fizeram perguntas muito duras, que me deixaram descompensada; por exemplo, se algum terceiro havia visto o sangramento do meu aborto e se houve feto depois da gravidez.”Em nenhuma das ocasiões em que ela precisou fazer declarações, foi oferecido acompanhamento legal ou psicossocial.Todas as pessoas que compartilharam seu testemunho com a BBC News Mundo concordam que denunciar membros da Igreja representa um risco social muito alto, devido ao poder ostentado pela instituição religiosa.Em muitos casos, nem mesmo as famílias as apoiam. Seus familiares receiam que possam ficar marcados ou ser isolados pela comunidade.SpotlightDurante os mais de 20 anos decorridos desde os fatos denunciados por Natalia, Liliana, Paula, Gisele, Luisa, Carla e Orlando, vieram a público inúmeros casos de pedofilia na Igreja Católica em todo o mundo, o que prejudicou em muito a credibilidade da instituição.A Igreja foi acusada não só de permitir que os sacerdotes acusados continuassem exercendo seus ofícios, mas também de encobrir os casos e não colaborar a tempo com a justiça civil, para que eles pudessem ser investigados como qualquer outro cidadão.Curiosamente, uma das acusações mais emblemáticas foi descrita pelo cinema.Em 2016, Spotlight: Segredos Revelados ganhou o Oscar de melhor filme. Ele foi inspirado no trabalho do jornal Boston Globe sobre o escândalo de pedofilia na Igreja Católica de Boston, nos Estados Unidos.Os créditos finais incluem uma lista de 206 locais em todo o mundo, incluindo vários latino-americanos, onde se afirma terem sido encobertos casos similares ao denunciado pelo filme.Medellín é a única cidade colombiana incluída na lista.Crédito, spotlightthefilm.comLegenda da foto, O filme Spotlight: Segredos Revelados apresenta o rigoroso trabalho jornalístico da unidade investigativa do jornal The Boston Globe, criada em 1970Naquele mesmo ano, o papa Francisco publicou a carta apostólica intitulada “Como uma Mãe Amorosa”. Nela, o pontífice orientou a todos os bispos que, frente às denúncias de abuso sexual de menores, por conhecimento direto ou por confissão, contra qualquer sacerdote sob sua autoridade, eles devem tomar duas ações:”A primeira é denunciá-lo às autoridades civis do Estado – neste caso, à Procuradoria colombiana”, explica o advogado Sergio González, mestre civil em direito canônico.”E a segunda é dar início imediatamente ao processo canônico contra o sacerdote acusado (sem importar quando foi o ocorrido).”Esta é uma das medidas tomadas pela Igreja Católica para combater a questão. E, internamente, a Igreja colombiana também dedicou esforços para organizar melhor os processos.Desde 2013, a Conferência Episcopal Colombiana se encarregou de realizar alinhamentos para oferecer uma resposta nacional à questão da pedofilia.”São orientações destinadas a promover a cultura do cuidado e a prevenção e atenção de situações de abuso em ambientes eclesiásticos”, explica o monsenhor Bacci.Estes alinhamentos incluem a colaboração com a justiça comum, mas cada Arquidiocese só pode implementá-los de forma autônoma. Eles dependem dos recursos de cada uma delas e devem ser cumpridos sem exceções.”Temos claro como devemos proceder frente a uma vítima e o que deve ser feito ante uma denúncia”, explica Bacci. “Ou seja, agora, qualquer omissão ou descumprimento dos protocolos de prevenção é totalmente inaceitável.”Crédito, BBC MundoLegenda da foto, Cartaz da campanha de prevenção afixado no interior da igreja de Santa Gertrudes, em EnvigadoO sistema judicial colombiano adotou posição similar.”A Promotoria entendeu que a investigação deste tipo de delito exige atenção integral à vítima e que ela não pode ser atendida única e exclusivamente para judicialização. Por isso, ela elaborou, com outras entidades, uma norma de atendimento”, explica a advogada Victoria Salazar, especialista em direito penal, de gênero e criminologia. Ela é ex-promotora e ex-coordenadora do Centro de Atenção Integral a Vítimas (Caivas) de Medellín.Salazar também destaca que a Promotoria vem capacitando seus funcionários para enfrentar a revitimização por meio de protocolos internos.Por outro lado, a jurisprudência colombiana evoluiu para responder às denúncias de pedofilia formalizadas quando a vítima chega à idade adulta.Por isso, desde 2021, os delitos sexuais cometidos contra menores na Colômbia são imprescritíveis, ou seja, podem ser investigados sem importar quanto tempo já decorreu desde os fatos denunciados, como demonstra o gráfico abaixo.Mas as leis na Colômbia não são retroativas e os abusos cometidos antes daquela data estão sujeitos à prescrição. É o caso da denúncia de Natalia Restrepo perante a Promotoria e dos novos testemunhos de conhecimento da BBC News Mundo.Este foi o motivo que levou Liliana a não denunciar seu caso à Justiça colombiana. Ela chegou a esta decisão depois de consultar especialistas.Liliana: Eu queria fazer todas as denúncias possíveis para que o responsável recebesse um castigo e não fizesse novas vítimas.Mas entendi que não existem muitas garantias para este tipo de caso, já que ocorreu há vários anos. Além disso, não quero enfrentar uma batalha legal, já que é mais provável que eu seja revitimizada, gerando mais estresse e ansiedade.Por isso, ela indica que decidiu pela denúncia pública.Liliana: O que mais me levou a contar minha história ao público é que tenho uma filha e me dá muito medo que isso também possa acontecer com ela.Com isso, espero que a Igreja, pelo menos, trate de proteger as crianças, que não os coloque em uma bandeja de prata para que uma pessoa que já cometeu delitos de abuso continue cometendo.Paula e Gisele também explicaram seus motivos para a BBC News Mundo.Paula: Espero que eles destituam os padres que foram abusadores, pois eles não podem continuar tendo contato com crianças.Gisele: É inaceitável que continuemos observando os sacerdotes acusados rezando missas aqui em Antioquia.Eles sempre se defendem dizendo que existe perseguição à Igreja, mas não é assim. O que esperamos é que, como instituição, ela tome medidas para que isso não se repita e que os acusados sejam julgados como qualquer outro cidadão.Denunciar não é perseguir.Os dois caminhos oficiais para denunciar abusos de sacerdotes são a Igreja e a Promotoria local.O gráfico abaixo se baseia na lista publicada pelo monsenhor Tobón em 2022. Ele mostra o que aconteceu com as acusações ali mencionadas.Já a Promotoria de Medellín, depois de vários requerimentos, forneceu uma lista detalhada de todas as denúncias vinculadas a religiosos católicos como possíveis agressores sexuais, em um período que se inicia mais de 30 anos atrás. Ao todo, são 71 nomes.



    FONTE

    DEIXE UMA RESPOSTA

    Por favor digite seu comentário!
    Por favor, digite seu nome aqui