O presidente interino da Síria, Ahmad al-Chareh, fez um apelo urgente à unidade nacional e à paz civil neste domingo, em meio a relatos de violência sem precedentes desde a queda de Bashar al-Assad. De acordo com uma organização não governamental (ONG), centenas de pessoas, a maioria civis, foram mortas em confrontos recentes.
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, ecoou o pedido de Chareh, exigindo que a “matança de civis pare imediatamente”. Türk expressou séria preocupação com os relatos de famílias inteiras sendo dizimadas no oeste da Síria.
A onda de violência foi desencadeada por um ataque brutal na quinta-feira, quando apoiadores do presidente deposto atacaram as forças de segurança em Jablé, uma cidade perto de Latakia, no oeste. Latakia era um reduto do governo de Assad e lar da minoria alauíta, o grupo islâmico do qual a família Assad faz parte.
Em resposta ao ataque, as autoridades enviaram reforços para as províncias vizinhas de Latakia e Tartous, na costa oeste. As forças de segurança lançaram operações para caçar os apoiadores pró-Assad.
O Observatório dos Direitos Humanos (OSDH) relatou que “745 civis alauítas foram mortos nas regiões costeiras e nas montanhas de Latakia pelas forças de segurança e grupos aliados” desde quinta-feira. O OSDH possui uma extensa rede de fontes na Síria.
O Observatório também relatou a morte de pelo menos 273 membros das forças de segurança e combatentes pró-Assad, bem como “execuções por motivos sectários”. As autoridades sírias ainda não divulgaram números oficiais.
Em um discurso em uma mesquita de Damasco, Chareh enfatizou a importância de preservar a unidade nacional e a paz civil. “Devemos preservar a unidade nacional, a paz civil tanto quanto possível e, se Deus quiser, poderemos viver juntos neste país”, disse ele. Chareh, ex-chefe do grupo islâmico sunita radical Hayat Tahrir al-Sham (HTS), liderou a coalizão de facções rebeldes que derrubou Assad em 8 de dezembro. Após a derrubada, Assad fugiu para Moscou.
Reforços enviados para restaurar a calma
O Ministério do Interior anunciou neste domingo o envio de “reforços adicionais” para Qadmous, um vilarejo na província de Tartous, com o objetivo de “restaurar a calma”. As forças de segurança estão “caçando os últimos homens leais ao antigo regime em Qadmous e nos vilarejos vizinhos”.
A agência de notícias oficial da Síria, Sana, relatou “violentos confrontos” em Taanita, um vilarejo nas montanhas da província de Tartous. Segundo a Sana, “muitos criminosos de guerra afiliados ao regime derrubado e homens leais a Assad que os protegem” fugiram para Taanita.
Em Bisnada, um vilarejo na província de Latakia, um comboio de 12 veículos militares entrou e as forças de segurança iniciaram buscas em casas.
Um morador alauíta de Jablé, que falou sob condição de anonimato, relatou a morte de mais de cinquenta membros de sua família e amigos. Ele alegou que as forças de segurança e milicianos aliados “recolheram os corpos com escavadeiras e os enterraram em valas comuns. Eles até jogaram alguns corpos no mar”.
Vídeos divulgados pelo OSDH e ativistas na sexta-feira mostram dezenas de corpos em roupas civis empilhados no pátio de uma casa, com mulheres chorando nas proximidades. Em um vídeo, homens em uniforme militar ordenaram que três pessoas rastejassem em uma fila antes de atirar neles à queima-roupa. A AFP não conseguiu verificar a autenticidade dessas imagens.
Uma fonte de segurança citada pela Sana relatou “atos isolados de violência”, atribuindo-os a “multidões” que agiram em retaliação ao “assassinato de membros das forças de segurança por partidários do antigo regime”.
Apelos para o fim dos massacres
Desde que chegou ao poder, Chareh tem se esforçado para acabar com os assassinatos e tranquilizar as minorias. Ele pediu às suas forças que demonstrem moderação e evitem qualquer desvio sectário.
O Patriarca Ortodoxo de Antioquia, João X, durante um sermão neste domingo, pediu a Chareh que “ponha um fim aos massacres” no oeste do país. Ele observou que “as áreas visadas eram habitadas principalmente por alauítas e cristãos. Muitos cristãos inocentes também foram mortos”. Jean X enfatizou que “nem todos os mortos eram homens leais ao regime; a maioria era de civis inocentes e desarmados, incluindo mulheres e crianças”.
A Alemanha expressou seu choque com a violência e pediu que “todas as partes pusessem um fim à violência”.
De acordo com Aron Lund, do think tank Century International, o surto de violência demonstra a “fragilidade do governo”, cuja autoridade “está em grande parte nas mãos de jihadistas radicais que consideram os alauítas inimigos de Deus”.
*Com AFP