Crédito, ReutersLegenda da foto, Trump criticou tarifas brasileiras em discurso ao Congresso dos EUAArticle informationAuthor, Mariana SchreiberRole, Da BBC News Brasil em BrasíliaHá 20 minutosNo caso do Brasil, além dos já anunciados aumentos de taxas nas compras de aço, alumínio e etanol, outros impostos podem ser elevados dentro da nova “política de reciprocidade” do americano.A justificativa de Trump é que o Brasil é um dos países que cobra tarifas altas demais sobre produtos exportados pelos EUA. Na sua visão, a Casa Branca deve elevar suas tarifas de importação ao mesmo patamar dos tributos cobrados sobre seus produtos exportados.”Outros países usaram tarifas contra nós por décadas e agora é a nossa vez de começar a usá-las contra esses outros países”, declarou Trump em discurso ao Congresso americano, na terça-feira (4/2).”Em média, a União Europeia, China, Brasil, Índia, México e Canadá — vocês já ouviram falar deles? – e inúmeros outros países nos cobram tarifas muito mais altas do que cobramos deles”, continuou.Estatísticas de comércio exterior apontam que, de fato, o Brasil cobra, em média, tarifas de importação maiores sobre os produtos americanos do que o contrário.Por outro lado, os itens com maior volume de importação têm tarifas menores ou mesmo zeradas. Segundo a Câmara Americana de Comércio para o Brasil, entram no país sem pagar imposto produtos oriundos dos EUA como aeronaves e suas partes, petróleo bruto e gás natural.Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) a partir de dados do Banco Mundial, a tarifa média simples aplicada pelo Brasil às importações dos EUA foi de 11,3% em 2022 (dado mais recente disponível).Ou seja, era mais que cinco vezes a tarifa média simples cobrada dos EUA sobre as importações brasileiras (2,2%).Já quando se calcula uma média ponderada pelo volume das importações, a taxa brasileira continua maior, mas a diferença cai.Isso ocorre porque a tarifa média paga pelos exportadores na prática é menor, já que produtos com maior volume de importação dos dois lados tem tarifas mais baixas ou mesmo zeradas.Considerando essa tarifa efetiva, o Brasil cobrou em média 4,7% sobre importações vindas dos EUA em 2022, informa a nota do FGV Ibre, a partir de dados do Banco Mundial.Por outro lado, produtos brasileiros sofreram taxação efetiva média de 1,3% ao entrarem no mercado americano.Já uma nota divulgada pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil, estima que o Brasil cobrou uma tarifa média ponderada ainda menor em 2024, de 2,7%.”Essa diferença ocorre devido à alta participação de produtos americanos com alíquota zero nas importações brasileiras, como aeronaves e suas partes, petróleo bruto e gás natural, além do uso de regimes aduaneiros especiais – como drawback, ex-tarifário e Recof – que reduzem ou eliminam impostos sobre importações dos Estados Unidos”, diz a nota.”Como resultado, mais de 48% das exportações americanas para o Brasil entram sem tarifas, e outros 15% estão sujeitos a alíquotas de no máximo 2%”, continua o texto.Os regimes especiais de tributação citados na nota permitem, sob algumas condições, que empresas importem máquinas e equipamentos para melhorar sua produção com desconto nas tarifas de importação.Esses produtos, em geral, têm tarifas mais altas, com o objetivo de proteger a indústria de máquinas brasileira.Pesquisadora associada do FGV Ibre e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Lia Valls ressalta que as tarifas brasileiras não são fixadas de forma específica para um ou outro país, mas valem para produtos, independentemente da sua origem.Isso só varia quando há acordos de livre comércio, como no caso do Mercosul.De modo geral, explica, o Brasil protege pouco o setor agropecuário na comparação com outros países, mas há mais protecionismo para a indústria.”Na área industrial, por exemplo, se você compara com a Índia, que também é muito protecionista, em alguns setores, o Brasil protege até mais do que a Índia, principalmente alguns tipos de bens de capital, de alguns bens eletrônicos”, compara.”Então, em termos de médias tarifárias, pensando em país grande, o Brasil tem tarifas médias mais elevadas. E existe todo um debate sobre se a gente deve reduzir essas tarifas, principalmente de bens de capital e bens intermediários, que têm um efeito direto sobre o custo de produção da indústria”, nota a professora.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, EUA não têm capacidade de produzir todo o aço consumido no país e dependem de importaçõesQual pode ser o impacto para o Brasil?Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Historicamente, a balança comercial tem sido favorável para os americanos, que acumularam saldo positivo de US$ 43 bilhões nos últimos dez anos, segundo a Câmara Americana de Comércio para o Brasil.Olhando apemas para o último ano, o resultado ficou mais equilibrado.Em 2024, o país de Trump “foi o destino de 12% das exportações brasileiras, totalizando US$ 40,4 bilhões, e origem de 15,5% das nossas importações (US$ 40,7 bilhões)”, destaca um relatório sobre o tema publicado pelo departamento econômico do Bradesco em fevereiro.Ainda segundo o banco, os principais produtos exportados para os EUA são óleos brutos e combustíveis de petróleo, produtos de ferro e aço, aeronaves, café e celulose.Já os mais importados pelo Brasil são motores e máquinas não elétricos, óleos combustíveis e brutos de petróleo, aeronaves e gás natural.Se não houver recuo do presidente americano, a previsão é que os primeiros alvos brasileiros serão o etanol, taxado em 18% a partir do dia 2 de abril, e o aço e o alumínio, com tarifas de 25% a partir de 12 de março.No caso do aço, além da questão da reciprocidade, Trump diz que as tarifas são importantes para a defesa do país porque incentivam os produtores nacionais a aumentarem sua capacidade de produção.Ele quer que os EUA sejam capazes de fornecer aço suficiente para produzir armas em tempos de guerra sem depender de importações.No seu primeiro governo, o republicano também elevou a tarifa sobre aço e alumínio, mas depois concedeu cotas de importação (volume que poderia ser importado com imposto menor), o que reduziu o impacto sobre o Brasil.Dessa vez, porém, ele diz que não haverá esse mecanismo. “É 25% sem exceções ou isenções”, anunciou em fevereiro.”Lógico que tem impacto para a indústria brasileira, porque fica mais caro e os Estados Unidos são um mercado importante nessa questão”, afirma Lia Valls, do FGV Ibre.”E não é fácil para o Brasil desviar essa exportação para outros locais porque você concorre com a China [outro importante exportador de aço]”, ressalta.O Bradesco destaca em seu relatório que o Brasil exportou US$ 4,1 bilhões (5,8 milhões de toneladas) de aço para os Estados Unidos em 2024, representando 60% do todo o produtor embarcado.Considerando a capacidade de expansão da produção americana, o banco estima que o aumento de tarifa anunciado por Trump “poderia reduzir em até US$ 0,7 bilhão as exportações brasileiras do produto”.Já no caso do etanol, a professora Lia Valls não espera um impacto importante, pois a produção brasileira atende principalmente o mercado interno.”Hoje, o Brasil cobra 18% de tarifa e eles cobram 2,5%. Só que mexer nisso é uma maluquice porque os Estados Unidos não têm excesso de etanol pra exportar para o Brasil, nem o Brasil precisa importar tanto etanol assim”, explica.No entanto, outros produtos agrícolas podem ser impactados, caso seja adotada uma política ampla de reciprocidade.”Outro que pode entrar é a carne bovina, porque a gente aumentou a exportação e o Brasil tem a tarifa também [maior que a deles]. Já tem grupos [de produtores americanos] reclamando da entrada de carne bovina brasileira. Suco de laranja, que a gente exporta, eles podem também querer aumentar a tarifa para penalizar o Brasil”, exemplifica.Segundo Valls, os itens mais taxados na importação brasileira são bens manufaturados, categoria que o país exporta menos para os Estados Unidos. Então, se houver reciprocidade nesses produtos também, o impacto pode não ser tão relevante.O Bradesco estimou qual será o efeito caso o governo Trump decida igualar todas as tarifas de importação cobradas do Brasil com as que o país cobra de produtos dos EUA — ou seja, elevar sua tarifa média para 11,3%.”Nesse exercício, encontramos uma redução de cerca de US$ 2,0 bilhões nas exportações (5% do total embarcado)”, diz o relatório.O impacto poderia ser reduzido em caso de nova desvalorização do real.”Em um exercício hipotético, a depreciação equivalente do real, necessária para compensar essa perda, seria da ordem de 1,5%, com um impacto potencial estimado ligeiramente inferior a 0,1 ponto percentual no IPCA [índice de inflação], como resposta direta à depreciação cambial”, afirma o banco.O vaivém trumpistaCrédito, Getty ImagesLegenda da foto, Donald Trump disse que o comércio internacional é manipulado contra os EUAPara a professora Lia Valls, o pior efeito da política de comércio exterior de Trump é o aumento da imprevisibilidade.”O pior para o Brasil e para outros países é essa instabilidade tarifária porque comércio exterior depende de planejamento, de contrato. A incerteza já está presente, afeta decisões, investimentos”, resume.O presidente americano anunciou na quinta-feira (6/3) que os EUA suspenderão temporariamente a maioria das tarifas que haviam imposto ao México e ao Canadá dois dias antes.Com a decisão, ficam sem efeito no momento a maioria das novas taxas de 25% aplicadas sobre produtos mexicanos e canadenses.”Após conversar com a presidente Claudia Sheinbaum do México, concordei que o México não será obrigado a pagar tarifas sobre qualquer item abarcado pelo tratado USMCA”, escreveu Trump na rede social Truth. Depois, a Casa Branca adicionou que o Canadá também seria beneficiado pelo acordo.O tratado USMCA – acrônimo com as iniciais em inglês de Estados Unidos, México e Canadá – é uma atualização do Nafta (acordo de livre comércio da América do Norte), que vigorou entre 1994 e 2018.
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