Oscar para ‘Ainda Estou Aqui: a trajetória do filme até a estatueta inédita

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    Crédito, ReutersLegenda da foto, Walter Salles e Fernanda Torres compareceram à cerimônia do OscarHá 12 minutosÉ a primeira vez que uma obra do Brasil ganha o prêmio, dado aos longa-metragens produzido fora dos Estados Unidos e com diálogos predominantemente em uma língua diferente do inglês.O país também tinha chegado perto da estatueta nessa categoria com O Pagador de Promessas (1963), O quatrilho (1996), O que é isso companheiro? (1998) e Central do Brasil (1999), todos indicados.Portanto, a conquista de Ainda Estou Aqui é histórica.O longa também foi a primeira produção do país a ser indicada ao Oscar de melhor filme – que inclui as produções americanas.Além disso, Fernanda Torres ainda concorre como melhor atriz, por seu papel no filme. O prêmio coroa uma trajetória internacional bem sucedida do longa de Walter Salles, que recebeu elogios na crítica especializada internacional e, só nos EUA, chegou a ser exibido em mais de 700 salas.Antes do Oscar, o longa também recebeu uma série de prêmios: Globo de Ouro, Goya, Festival de Veneza e Festival Internacional de Roterdã.Para o diretor Walter Salles, a produção mobilizou tanta gente por ser uma história sobre resistência — em um contexto de fragilidade da democracia em todo o mundo.O casal tinha cinco filhos – um deles, Marcelo.O filme traz a incansável busca de Eunice por justiça por seu marido e sua família, o que a transformou em um símbolo de resistência contra a ditadura militar. Ao mesmo tempo, mostra como ela manteve firme a sua família”Eunice Paiva não se deixou vitimizar, enfrentou um regime autoritário acreditando nas instituições, arquitetou formas de resistência únicas. Sorriu quando lhe pediram para chorar. Escolheu a vida”, disse Walter Salles em entrevista à BBC News Brasil, antes do Oscar acontecer.Outra filha do casal, Eliana Paiva disse também em entrevista à BBC News Brasil que é importante que as pessoas não percam a dimensão de que o filme também tem o objetivo de jogar luz sobre o período da ditadura militar, que governou o Brasil entre 1964 e 1985, um período marcado por perseguição a militantes de esquerda, prática de tortura e desaparecimentos forçados como o do seu pai. “A gente festeja um Oscar e está achando tudo muito bom em termos de denúncia, mas antes de qualquer coisa, é a denúncia de um assassinato brutal dentro de um quartel de Exército no Brasil. Do que a gente está tratando é de um assassinato”, disse Eliane Paiva.Crédito, Sony PicturesLegenda da foto, Filme brasileiro ‘Ainda Estou Aqui’Impulsionado pela crítica Desde que filme brasileiro começou a ganhar tração internacionalmente com suas participações em festivais, críticos do mundo inteiro começaram a escrever sobre ele – na maior parte, de maneira elogiosa.A produção atingiu 97% de aprovação dos críticos no Rotten Tomatoes, uma plataforma que agrega avaliações da imprensa especializada. O índice alto foi atingido com a média de 156 críticas em sites de cinema em todo o mundo.”Por trás dessas [três] indicações [do filme ao Oscar] está uma mistura alquímica do pessoal, do político e do artístico. Poucos filmes retrataram os efeitos devastadores da política sobre os indivíduos de uma forma tão íntima, visceral ou oportuna, chegando em um momento em que a ascensão do autoritarismo se tornou uma preocupação global”, diz James.O jornal britânico The Times descreveu Ainda Estou Aqui como “um dos maiores filmes sobre maternidade”, comparando-o a clássicos como Mildred Pierce e Room (Quarto, em português). A crítica destaca a autenticidade do filme e a transformação de Eunice, interpretada por Torres, cuja busca incansável por justiça e fechamento ao longo de quatro décadas impulsiona a narrativa.Para Walter Salles, na entrevista à BBC News Brasil, “não é um filme que está sendo reconhecido, e sim toda a cinematografia brasileira.””Esse filme, mais do que qualquer outro que dirigi, foi feito para oferecer um reflexo do Brasil em um momento complexo de sua história, para o público brasileiro. Esse é o propósito do filme. Depois vêm os prêmios que o filme pode vir a receber, ou não”, disse o cineasta.Um papel semelhante ao que Central do Brasil — também dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres — desempenhou quando foi lançado, em 1998.”Naquele momento, a retomada do cinema brasileiro era algo recente”, disse Boscov.”Walter Salles fez um filme sobre o terror político e social do período Collor, que foi Terra Estrangeira. Depois, Central do Brasil surgiu como uma possibilidade de um novo pacto social, de uma retomada da ética e da valorização do cinema”, prossegue.”Estamos passando por algo parecido agora, depois de um período em que a cultura foi muito massacrada no país.”Peter Bradshaw, crítico britânico do The Guardian, escreveu que “o filme – na sua lealdade ao autocontrole da própria Eunice – ignora o horror e a raiva que certamente também devem estar presentes em algum lugar desta história.”Os créditos finais, nos contando brevemente em que data Rubens foi assassinado, e também a data em que quatro agentes de segurança foram finalmente acusados, mas não condenados, são, retroativamente, desconcertantes. Há um mundo de drama e indignação nessas breves informações, mas isso nunca chega realmente ao filme”, escreve Bradshaw.Na opinião do jornalista e cinéfilo Saymon Nascimento. “Críticas não existem para que você concorde com elas, mas para abrir horizontes”, diz.Para ele, Ainda Estou Aqui restringe seu olhar sobre a ditadura militar à esfera familiar e ao luto de Eunice Paiva. “O filme tem algum tipo de resistência a ser político de fato”, argumenta.Na Folha de S. Paulo, o crítico Inácio Araújo fez comentários semelhantes à obra.”Toda vez que o cinema de Walter Salles deriva para um tema ou personagem direta ou indiretamente político, sua delicadeza tende a levar esse tema para uma esfera curiosamente apolítica”.Crédito, SONY PICTURE CLASSICSLegenda da foto, Eunice Paiva, personagem interpretada por Fernanda Torres, lutou para que a morte de seu marido fosse reconhecida pelo Estado brasileiroImpacto sobre o debate da Lei da AnistiaApós anos sem julgar o tema, a Corte decidiu em fevereiro dar repercussão geral a recursos que tentam destravar processos criminais contra acusados de matar opositores do regime, entre eles o deputado Rubens Paiva Quando um caso recebe repercussão geral significa que a decisão do STF valerá para todos os processos semelhantes em andamento no país. A Corte, no entanto, ainda vai julgar o mérito desses recursos — ou seja, decidir se a Lei da Anistia deve ou não ser revista. E não há previsão de data para isso por enquanto.Para juristas especialistas em Lei da Anistia ouvidos pela BBC News Brasil, a retomada do tema no STF foi impulsionada pelo filme.”Com certeza. Estava tudo parado há anos”, ressaltou à BBC News Brasil Sérgio Suiama, do Grupo de Trabalho Justiça de Transição do Ministério Público Federal (MPF).Ele é um dos autores da denúncia criminal apresentada em 2014 contra cinco ex-integrantes do sistema de repressão da ditadura militar acusados de assassinato e ocultação do cadáver de Rubens Paiva. Depois disso, porém, três já morreram.A denúncia foi aceita pela Justiça em primeira instância e o Tribunal Regional da 2ª Região confirmou a abertura do processo, mas uma decisão do STF parou o andamento do caso ainda em 2014, por entender que violava a Lei da Anistia.Depois disso, porém, o Brasil foi condenado duas vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entendeu que a Lei da Anistia impede a investigação e a responsabilização de graves crimes contra a humanidade, sendo incompatível com a Convenção Americana do tema.Já os defensores da Lei da Anistia, adotada em 1979, dizem que ela foi necessária para “pacificar” o país e abrir espaço para o fim do regime militar, que só acabou em 1985.Crédito, Sony PicturesLegenda da foto, Eunice Paiva pede para os filhos sorriremEm paralelo, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reabriu o caso em abril de 2024.O objetivo é investigar e produzir mais provas que comprovem o que aconteceu com Rubens Paiva.Além do caso de Paiva, está em análise tentativas de processar acusados das mortes de Mário Alves de Souza Vieira, dirigente do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), e de Helber José Gomes Goulart, militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN).Rubens Paiva foi eleito deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1962. Com a instalação do regime militar, em 10 de abril de 1964, seu mandato foi cassado, levando-o ao exílio na antiga Iugoslávia.Após retornar ao Brasil em novembro do mesmo ano, Paiva estabeleceu-se com a família em São Paulo e, posteriormente, no Rio de Janeiro, em uma residência na Avenida Delfim Moreira, no bairro do Leblon, que é retratada no filme.Paiva foi preso em 1971 e dado como desaparecido. Sua morte, confirmada só 40 anos mais tarde, segue até hoje sem que os culpados tenham sido responsabilizados.



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