Arma secreta de Putin: a guerra submarina híbrida que a Rússia lançou contra Europa

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    Legenda da foto, Esta é uma das várias estratégias de Vladimir Putin, que afetam os países que apoiam a Ucrânia, especialmente na EuropaArticle informationAuthor, Frank Gardner e Harriet WhiteheadRole, BBC News Há 13 minutosPouco depois do meio-dia, no dia do Natal de 2024, os funcionários da empresa finlandesa de eletricidade Fingrid notaram que o principal cabo submarino que liga a Finlândia à Estônia estava danificado, reduzindo significativamente o fornecimento de energia a este último país.Naquela tarde, o gerente de operações da Fingrid, Arto Pahkin, foi citado pela emissora nacional da Finlândia como tendo dito: “Temos várias linhas de investigação, desde sabotagem até uma falha técnica, e nada foi descartado ainda. Pelo menos duas embarcações estavam se movendo perto do cabo no momento do incidente”.Horas depois, uma equipe da guarda costeira finlandesa abordou o navio russo Eagle S, e o conduziu para águas finlandesas. Acredita-se que ele tenha danificado deliberadamente o principal cabo de energia, o Estlink 2.A União Europeia afirma que a embarcação, registrada nas Ilhas Cook, é, na verdade, parte da “frota fantasma” da Rússia. Suspeita-se que o antigo navio-tanque seja usado para transportar produtos petrolíferos russos embargados.A polícia finlandesa acredita que o Eagle S pode ter arrastado sua âncora pelo leito marinho para causar o dano. Uma âncora foi supostamente recuperada ao longo da rota do Eagle S, a uma profundidade de até 80 metros, e fotos tiradas desde o incidente mostram o navio sem a âncora de bombordo. A polícia finlandesa disse ter identificado nove suspeitos na investigação criminal sobre os danos ao cabo. Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, A Estônia começou a realizar patrulhas navais para proteger um cabo submarino que fornece energia a partir da Finlândia, após a suposta sabotagem em dezembro passadoO dano ao cabo Estlink 2, que tem 170 quilômetros de comprimento, é o mais recente de uma série de incidentes em que cabos submarinos na região do Báltico foram danificados ou completamente rompidos desde a invasão em grande escala da Rússia na Ucrânia, há três anos.Após o incidente com o Estlink 2, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) prometeu aumentar sua presença militar no Mar Báltico, enquanto a Estônia enviou um navio de patrulha para proteger seu cabo de energia submarino Estlink 1. A União Europeia afirmou que o dano ao cabo submarino foi a “última de uma série de ataques suspeitos à infraestrutura essencial”.Cerca de 600 cabos submarinos transportam eletricidade e informação pelos oceanos e mares ao redor do mundo. Chegando à costa em locais que, muitas vezes, são sigilosos, estes cerca de 1,4 milhão de quilômetros de cabos nos permitem estar conectados. A maioria se destina a transmitir dados, sendo responsáveis por quase todo o nosso tráfego global de internet.Os analistas dizem que sempre há a possibilidade de danos acidentais ou erro humano, mas a frequência destes incidentes levanta a questão: quão expostos estão estes cabos submarinos à sabotagem?Por que o Ocidente está preocupado?Não é preciso nem dizer, mas as relações entre a Rússia e a maior parte da Europa Ocidental estão complicadas no momento.A tensão é palpável há anos, após eventos que incluem a insurgência apoiada pelo Kremlin no leste da Ucrânia, e a ocupação e anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.Em 2022, o Ocidente se uniu em repúdio quando 200 mil soldados russos invadiram a Ucrânia, desencadeando três anos de guerra, que deixaram cerca de um milhão de pessoas mortas ou feridas de ambos os lados.A Otan acredita que a Rússia também está travando outra guerra, não declarada, a chamada “guerra híbrida”, e que o alvo é a própria Europa Ocidental, com o objetivo de punir ou dissuadir as nações ocidentais de continuar seu apoio militar à Ucrânia.A guerra híbrida acontece quando um Estado hostil realiza um ataque anônimo, e que pode ser negado, geralmente em circunstâncias altamente suspeitas. É suficiente para prejudicar o oponente, especialmente seus ativos de infraestrutura, mas não chega a ser considerado um ato de guerra.Crédito, Getty ImageLegenda da foto, A Otan acredita que a Rússia também está travando uma guerra não declarada, a chamada ‘guerra híbrida'”Os submarinos que descem a altas profundidades podem cortar cabos em profundidades que tornam os reparos extremamente difíceis”, diz Sidharth Kaushal, pesquisador especializado em poder naval do think tank Royal United Services Institute (Rusi, na sigla em inglês), com sede em Londres.”Eles também podem interceptar cabos submarinos sensíveis.”De acordo com Kaushal, em um conflito com a Otan, “os danos à infraestrutura no mar, além de infraestruturas em terra, seriam uma parte fundamental do esforço de guerra da Rússia, com o objetivo de minar gradualmente o apoio popular no Ocidente”.Negação plausívelOutros exemplos de ataques suspeitos de guerra híbrida são a série de pacotes de encomendas “incendiárias” transportadas por empresas de serviços de entrega no Reino Unido, na Alemanha e na Polônia no ano passado. Os investigadores poloneses afirmaram que os incidentes foram simulações para sabotagem de voos para os EUA e o Canadá.A Rússia nega estar por trás de atos de sabotagem, mas suspeita-se que esteja envolvida em outros ataques a armazéns e redes ferroviárias em países membros da União Europeia, inclusive na Suécia e na República Tcheca.Esses incidentes estão levando alguns governos ocidentais a concluir que existe a possibilidade de a agência de inteligência militar da Rússia ter embarcado em uma campanha sistemática de ataques anônimos e secretos contra os países que ajudam a Ucrânia.A ameaça foi levada tão a sério que a Otan e a União Europeia criaram, em 2017, o Centro Europeu de Excelência para Combater Ameaças Híbridas, com sede em Helsinque, capital da Finlândia.A pesquisadora Camino Kavanagh, do Departamento de Estudos de Guerra da Universidade King’s College London, no Reino Unido, diz que os Estados podem ser atraídos para este tipo de guerra porque “há muitas possibilidades de negação plausível”.Atualmente, grande parte do foco de países como o Reino Unido está em “negar essa negação, a partir de uma perspectiva operacional”. Para a infraestrutura submarina, isso exige uma sólida compreensão do que está acontecendo em suas próprias águas, para que seja possível identificar atividades suspeitas.”Essa atividade na zona cinzenta é algo muito, muito difícil de responder. Mas acho que, dados os últimos incidentes, os Estados estão melhorando”, avalia Kavanagh.Quais são as capacidades submarinas da Rússia?As Forças Armadas russas têm o que Kaushal chama de “uma estrutura bastante hierarquizada”.Em águas mais rasas, ele afirma que a responsabilidade tende a recair sobre a Spetsnaz (Forças Especiais), a GRU (inteligência militar) e a Marinha russa. Mas, em águas profundas, a tarefa de coletar informações de inteligência e realizar operações de sabotagem cabe principalmente à Diretoria de Pesquisa Submarina (Gugi, na sigla em russo), que responde diretamente ao Ministério da Defesa e ao próprio presidente Putin.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, O rompimento de um cabo submarino na Finlândia provocou a ameaça de sanções da União Europeia contra a ‘frota fantasma da Rússia’A Gugi, diz Kaushal, usa navios na superfície para vigilância e coleta de informações, como mapear a localização de parques eólicos offshore ou os pontos em que os cabos chegam à costa.Mas para operações submarinas, ele diz que eles usam “navios-mãe”, na forma de antigos submarinos com mísseis balísticos nucleares e mísseis de cruzeiro, como o Belgorod.”Os russos possuem uma ampla variedade de recursos, incluindo submarinos com casco de titânio, que podem operar em profundidades de milhares de metros, e que são equipados com braços para manipular objetos”, acrescenta Kaushal.Essas embarcações são operadas por uma tripulação de três pessoas, que costumam ser ex-oficiais da Marinha altamente experientes, que passam por um treinamento tão rigoroso quanto o dos cosmonautas.Em profundidades como essas, é extremamente desafiador, até mesmo para a Marinha dos EUA, saber exatamente o que está sendo colocado no leito marinho ou o que esses submersíveis de águas profundas estão fazendo.Em última análise, a possível sabotagem dos cabos deve ser vista “não apenas como um fenômeno isolado”, mas como parte do “programa muito mais holístico da Rússia de visar infraestruturas de comunicação e infraestruturas essenciais em geral”, afirma Keir Giles, especialista em Rússia do think tank britânico Chatham House e autor do livro Who Will Defend Europe? (“Quem vai defender a Europa?”, em tradução livre).O foco da Rússia nos cabos submarinos e nas telecomunicações é “parte de seu programa para garantir a superioridade da informação — o que também pode significar restrição à informação”. Isso porque, se eles quiserem isolar comunidades em uma determinada parte do mundo, para que só recebam informações provenientes da Rússia, “isso é visto como um objetivo muito importante, porque foi fundamental na tomada da Crimeia”.De olho na infraestruturaCrédito, Getty ImagesLegenda da foto, Em novembro, o secretário de Defesa do Reino Unido, John Healey, acusou o navio de vigilância russo Yantar de ‘vagar sobre a infraestrutura submarina crítica’ do paísCertamente, as autoridades da Finlândia não estão sozinhas em suas suspeitas em relação à Rússia e sua interferência na infraestrutura de cabos submarinos.Em novembro de 2024, o navio de vigilância russo Yantar foi visto “vagando sobre a infraestrutura submarina crítica do Reino Unido”, de acordo com o secretário de Defesa britânico, John Healey.Em janeiro de 2025, isso aparentemente aconteceu de novo, quando a Marinha britânica monitorava o Yantar, que, segundo o Ministério da Defesa, estava sendo usado “para coletar informações de inteligência e mapear a infraestrutura submarina do Reino Unido”. Healey descreveu o incidente como “outro exemplo da crescente agressão russa”.O Reino Unido tem cerca de 60 cabos submarinos que chegam à costa em vários pontos ao longo do seu litoral, concentrados especificamente no leste e sudoeste da ilha.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, ‘Os submarinos que descem a altas profundidades podem cortar os cabos em profundidades que tornam os reparos extremamente difíceis’, diz KaushalSe houvesse um ataque de qualquer escala à infraestrutura submarina do Reino Unido, ele provavelmente seria acompanhado por outros problemas nos sistemas do país, diz Giles.A Embaixada da Rússia em Londres descreveu as alegações do Reino Unido em relação ao Yantar como “completamente infundadas”.E alegou que houve “um aumento da histeria anti-Rússia”, que estava sendo usada pelo Reino Unido e seus aliados “para deliberadamente acirrar as tensões nas regiões do Báltico e do Mar do Norte”.Confiança ingênuaNeste ano, o Comitê Conjunto sobre a Estratégia de Segurança Nacional do Reino Unido, que analisa as estruturas para a tomada de decisões governamentais sobre segurança nacional, lançou uma investigação sobre a vulnerabilidade do país a ataques a cabos submarinos.”Os russos provavelmente já colocaram seus drones submarinos no fundo do mar, à espera de ordens que podem ou não vir, para realizar um ataque a cabos e dutos. O Yantar, seu navio de vigilância, vem fazendo sabe-se lá o que, no fundo do mar, há anos”, diz Edward Lucas, especialista em Rússia.Segundo ele, toda a rede global de cabos e dutos submarinos foi construída sobre uma base ingênua de confiança.”Nunca pensamos que ela se tornaria alvo de um Estado hostil, mas agora estamos colhendo os frutos de décadas de complacência. Nossa única esperança é a dissuasão: mostrar aos russos que o custo de danificar nossa infraestrutura submarina seria doloroso demais para eles.”Kavanagh afirma, por sua vez, que o Reino Unido tem alguma resiliência incorporada em sua infraestrutura, porque “os reparos podem ser feitos muito, muito rapidamente”. Além disso, o design dos cabos submarinos foi baseado, pelo menos recentemente, na ideia de que “eles vão se romper em algum momento, então é preciso estar preparado”.Giles descreve como “muito tardia” a resposta dos países ocidentais ao reconhecerem o desafio. Mas diz que o corte de cabos individuais não teria hoje o mesmo impacto que teria quando a Rússia começou a pensar em fazer isso.Isso acontece porque ter vários cabos que conectam os mesmos países usando rotas variadas, e garantir que o ecossistema de reparo seja resiliente, agora fazem parte do design, explica Kavanagh.”Na verdade, é um grande alívio ver que muitos países estão agora concentrados em compreender suas próprias vulnerabilidades em termos de resiliência, trabalhando cada vez mais de perto com o setor.”Crédito, PALegenda da foto, Os movimentos do navio russo Yantar foram monitorados pela Marinha britânicaUm sinal de alertaEmbora a Rússia negue qualquer envolvimento, estes incidentes serviram como um alerta para os governos europeus de que esses cabos vitais estão desprotegidos, mesmo que seja fisicamente impossível proteger todos, em todas as profundidades.”A ameaça sempre existiu. Só que, no contexto atual, os agentes da ameaça se sentem mais encorajados a realmente testar, explorar e ver o que funciona”, explica Giles.A guerra híbrida também serve como um exercício de aprendizado para a Rússia: “Eles veem qual é o impacto, também veem qual é a resposta do país alvo, a capacidade de investigar, processar, etc.”A longo prazo, a capacidade que a Rússia possui de operar no fundo do mar dá a opção, no caso quase impensável de uma guerra, de causar danos muito graves às economias da Europa e à vida cotidiana de seus cidadãos.”E não se trata apenas de cabos submarinos, mas de todas as outras maneiras pelas quais a Rússia pode chegar a afetar pessoas, mesmo estando a uma grande distância”, acrescenta Giles.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, A Embaixada da Rússia em Londres alegou que houve ‘um aumento na histeria anti-Rússia'”São os ataques de sabotagem por meio de procuração (intermediários). São os ataques cibernéticos. É um ransomware em massa. É a colocação de dispositivos incendiários em aviões. E, por fim, é o potencial de ataques com mísseis a milhares de quilômetros de distância, sem guerra declarada e sem aviso prévio, porque é assim que a Rússia opera.”A forma como o Ocidente lida com a ameaça de sabotagem de cabos submarinos é apenas uma das muitas frentes em que está tentando lidar com a Rússia de Vladimir Putin.



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