Crédito, Tomaz Silva/Agência BrasilLegenda da foto, Celso Amorim é diplomata de carreira e, atualmente, é o principal assessor do presidente Lula sobre assuntos internacionaisArticle information”Gaza é dos palestinos e tem que ser respeitada dessa forma”, disse Amorim à BBC News Brasil em breve conversa na quarta-feira (12/2), às vésperas de ele embarcar para a Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha.O evento reúne diplomatas e especialistas em segurança internacional de todo o mundo na cidade alemã.O posicionamento de Amorim sobre o destino da Faixa de Gaza ecoa a resposta de diversos líderes internacionais, inclusive a de Lula, que também se manifestou de forma contrária à proposta.”Os Estados Unidos participaram do incentivo a tudo que Israel fez na Faixa de Gaza. Então, não faz sentido se reunir com o presidente de Israel e dizer: ‘nós vamos ocupar Gaza, vamos recuperar Gaza, vamos morar em Gaza.’ E os palestinos vão para onde, onde vão viver? Qual o país deles?”, disse Lula no dia 5 de fevereiro durante entrevista a rádios de Minas Gerais.Amorim é apontado como o conselheiro mais influente de Lula em política internacional. Nos dois primeiros mandatos do petista (entre 2003 e 2010), o diplomata já havia atuado como ministro das Relações Exteriores.Ele tem conversas quase diárias com o presidente Lula, que se mantiveram nas últimas três semanas, em meio ao impacto dos primeiros atos de Donald Trump em seu novo mandato no comando dos Estados Unidos. Na breve entrevista concedida à BBC News Brasil, Amorim evitou fazer críticas diretas a Trump, disse que o melhor caminho para o país é tentar negociar alternativas às tarifas antes de implementar medidas retaliatórias aos Estados Unidos, mas afirmou que o país deve estar preparado para adotar outras medidas caso as negociações falhem.Com mais de 50 anos de experiência em diplomacia, Amorim reconheceu que o mundo, na sua opinião, passa por um momento mais instável e que a chegada de Trump ao governo americano seria mais um elemento nesse contexto de imprevisibilidade.Crédito, ReutersLegenda da foto, As Nações Unidas estimam que cerca de dois terços das edificações da Faixa de Gaza foram destruídas ou danificadasGaza é ‘parte integral da Palestina’Ao responder sobre a proposta feita por Trump, Amorim evitou confrontar diretamente o presidente americano, mas se manifestou de forma contrária à ideia.”A Faixa de Gaza é uma parte integral da Palestina e a Palestina tem que ser um Estado independente convivendo com Israel de maneira pacífica. Esse é o único caminho possível e pensável”, afirmou o diplomata.Segundo ele, qualquer proposta que não preveja a existência de um Estado Palestino na região estaria fadada ao fracasso.”Todas as demais propostas não funcionarão. Elas apenas agravarão as acusações de interferências externas e de desrespeito ao direito internacional. Ao que me consta, isso foi falado [por Trump], mas não foi feito como proposta formal. E espero que não seja”, afirmou o diplomata.”Os Estados Unidos vão tomar a Faixa de Gaza e vamos fazer um trabalho com ela, também”, disse Trump na ocasião.Dias depois, Trump voltou a defender a ideia afirmando que os Estados Unidos “tomariam” o controle da Faixa de Gaza após o fim dos conflitos entre israelenses e militantes do Hamas.Segundo seu plano, os quase 2 milhões de palestinos que vivem na região deveriam ser realocados em países próximos como a Jordânia e o Egito. Os dois países, no entanto, se manifestaram de forma contrária à proposta. Outro aliado histórico dos Estados Unidos na região, a Arábia Saudita, também foi contra a ideia de Trump.Um dos argumentos usados pelo presidente americano para defender sua ideia é de que, da forma como está, a região não seria segura para o retorno dos milhares de moradores que tiveram de se deslocar em busca de um lugar seguro durante as ações militares israelenses.A solução, no entanto, vem sendo criticada internacionalmente supostamente por violar diversos acordos internacionais que estabelecem o direito do povo palestino de ter um Estado que coexista com Israel.A região foi severamente destruída durante a ação militar israelense após os ataques terroristas de 7 de outubro de 2023, quando militantes do Hamas mataram pelo menos 1,2 mil pessoas e tomaram aproximadamente 250 pessoas como reféns. Desde então, a ofensiva militar israelense teria causado a morte de 46 mil pessoas, incluindo crianças, mulheres e idosos, segundo autoridades ligadas ao Hamas.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Trump impôs tarifas sobre o aço e alumínio importados para os Estados Unidos’Desrespeito flagrante’O mercado americano é um dos mais importantes destinos das exportações brasileiras de aço e alumínio. Apesar de o presidente Lula ter dito, no início do mês, que o Brasil adotaria a política de “reciprocidade” caso os Estados Unidos impusessem tarifas sobre produtos brasileiros, até agora o país não anunciou nenhuma retaliação.A postura cautelosa é defendida por Celso Amorim. Segundo ele, o momento é de tentar negociar uma alternativa.”Isso (a resposta) envolve conversas entre vários órgãos e principalmente o Itamaraty e o Ministério da Indústria e Comércio. O que eu tenho dito é que isso é uma guerra comercial e que ela não ajuda ninguém. Se houver possibilidade de negociar algo razoável que nos permita manter o acesso ao mercado americano, isso pode ser melhor. Mas não sei se isso é possível”, disse o diplomata.Amorim disse que integrantes do governo e representantes do setor siderúrgico brasileiro estão dialogando e que espera que os atores privados também tentem exercer influência sobre seus parceiros nos Estados Unidos para que uma alternativa às tarifas seja negociada. Segundo ele, não há um prazo estabelecido para que o Brasil anuncie sua resposta.”Tudo vai depender da capacidade de negociar. No passado, os próprios industriais atuavam através dos seus contatos com os seus compradores norte-americanos, que por sua vez são influentes internamente […] Pode ter havido um impulso inicial [do governo Trump] para mostrar também que (ele) pode tudo e pode ser que haja uma margem de negociação. Vamos precisar esperar porque, como eu disse, guerra comercial não ajuda ninguém e todos saem perdendo. Agora, claro, que tem que ser uma negociação justa”, afirmou Amorim.Para Amorim, no entanto, um ponto que o preocupa é o sinal que a política de tarifas de Trump tem enviado para o mundo.”Não nos agrada este desrespeito flagrante do comércio internacional, com regras que já não estão valendo grande coisa. Depois que pararam os esforços das rodadas de Doha, o sistema de solução de controvérsias está praticamente inoperante”, afirmou Amorim.As rodadas de Doha mencionadas por Amorim foram ciclos de negociações comerciais entre países para reduzir barreiras tarifárias e aumentar o comércio internacional. Tem esse nome por ter se iniciado em encontro em Doha, capital do Catar.Amorim disse que uma alternativa para lidar com o ambiente de aumento de tarifas é uma resposta coordenada do Brasil com outros países. Segundo ele, há conversas nesta direção dentro do governo.”Sempre há conversas, não apenas minhas, mas em vários níveis. O presidente também recebe ou dá telefonemas. Mas não adianta ser açodado. [Dizer] que se [alguém] fez isso, eu vou fazer aquilo. Precisamos ver o que fazer. Mas as conversas existem”, disse.Em meio à postura americana, Amorim disse que a tendência é que países da região latino-americana, como o Brasil, se aproximem ainda mais da China, maior parceira comercial do país e principal adversária geopolítica dos Estados Unidos no momento.”Aumentar a aproximação com a China já era inevitável. Não é só porque ela é o país que apresenta o maior dinamismo econômico. As pessoas reclamam quando a China investe numa ponte, mas isso acontece porque houve uma licitação e os Estados Unidos e os europeus não vieram, mas a China veio. Isso [maior aproximação com a China] vai acabar ocorrendo. E não só com o Brasil, mas com outros países também. Por isso que esse cenário [de guerra tarifária] não é positivo para ninguém, inclusive para os Estados Unidos”, sustentou Amorim.Imprevisibilidade internacionalAcostumado às instabilidades da política internacional, Amorim disse à BBC News Brasil que, na sua opinião, o mundo ficou mais imprevisível.”Eu não quero dizer que com a chegada do Trump, o mundo ficou mais imprevisível, porque eu acho que isso é uma coisa que já vinha acontecendo. Sem dúvida, o mundo está mais imprevisível do que era há 20 anos atrás. O mundo está muito mais complexo do que quando eu fui ministro do Lula no primeiro e segundo mandatos dele”, afirmou.Segundo ele, haveria, agora, um nível maior de “desrespeito” da ordem internacional.”A extrema direita está crescendo em muitos países. Vemos países europeus com muita aflição sobre o que pode acontecer na Alemanha […] Na França você tem também uma certa fragilidade política no momento. E eu estou vendo isso no mundo inteiro. Eu acho que o que se vê hoje é um desapreço mais flagrante pela ordem internacional […] Se você não respeita o direito internacional, evidentemente, tudo fica mais imprevisível”, disse.
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