Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Mais de 20% dos migrantes que tentam cruzar a perigosa floresta de Darién, entre a Colômbia e o Panamá, são crianças.Article informationO fluxo de migrantes rumo ao norte do continente americano através do tampão de Darién, entre a Colômbia e o Panamá, caiu drasticamente em 2024.Ao todo, 302.203 pessoas se arriscaram a atravessar a perigosa floresta no ano passado. A maioria delas tinha como destino os Estados Unidos.Este número representa uma redução de 42%, em comparação com o recorde de 520.085 pessoas em 2023, segundo dados do Serviço Nacional de Migração do Panamá (SNM).”Estamos trabalhando todos os dias para garantir que a migração ilegal não chegue à Cidade do Panamá, nem ao restante do país”, afirmou o presidente panamenho, José Raúl Mulino, na primeira semana de janeiro, quando apresentou os números que demonstram a redução do trânsito de migrantes pelo seu território.Mulino assumiu a presidência em julho do ano passado. Uma de suas promessas foi fechar totalmente a passagem para os migrantes irregulares em Darién.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, O presidente do Panamá, José Raúl Mulino, prometeu que seu país irá deixar de ser local de trânsito de migrantes irregulares.Cercas e controle biométricoCom 5.800 km² somente em território panamenho e, no máximo, 80 km de largura, o tampão de Darién é o único trecho que não é cortado pela rodovia Pan-Americana, que une o extremo norte e sul do continente mais longo do planeta.A interrupção de 130 km naquela estrada de mais de 30 mil quilômetros de extensão comprova a impenetrabilidade da extensa barreira natural, que não possui vias de comunicação e é repleta de perigos, desde animais selvagens e doenças tropicais até a presença de células do crime organizado.Dos 302.203 migrantes de 70 nacionalidades que transitaram pela espessa floresta no ano passado, a maioria era de venezuelanos (206.905, ou 68%), seguidos por 17.300 colombianos, 16.255 equatorianos, 12.345 chineses e 11.909 haitianos, segundo dados do SNM.Pouco mais da metade era de homens adultos, 28% eram mulheres e cerca de 21% eram crianças.Pelo menos 55 migrantes morreram na viagem, segundo os dados oficiais das autoridades panamenhas. Mas organizações internacionais acreditam que o número real pode ser quase o dobro.Neste contexto, o novo governo panamenho tomou diversas medidas para reforçar o controle e a identificação dos migrantes, além de aumentar a perseguição às redes de tráfico que os levam para o local.Uma das medidas mais polêmicas é a instalação de cercas de arame farpado com pelo menos 80 metros de comprimento e até três metros de altura, em alguns dos caminhos habituais de migrantes irregulares pela floresta.Crédito, Defensoría del Pueblo deColombiaLegenda da foto, O Panamá instalou cercas como esta na fronteira com a Colômbia.As cercas bloqueiam pelo menos cinco passagens habituais no Darién. Elas canalizam o fluxo migratório em direção a trajetos específicos, onde as autoridades esperam as pessoas em trânsito para poder identificá-las.O governo panamenho defende que seu objetivo é evitar que os migrantes conduzidos por coiotes através da floresta acabem sendo vítimas de assassinatos, roubos ou abusos sexuais nas mãos do Clã do Golfo ou de outras gangues criminosas que operam naquele lugar inóspito.”Estabelecemos um caminho que não considero o mais seguro, mas o menos perigoso, onde é mantido patrulhamento constante para minimizar os delitos que vinham sendo cometidos contra os migrantes”, declarou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o diretor-geral do SNM, Roger Mojica.Ele destacou que, naquele local, os migrantes encontram “pessoal treinado e capacitado, que identifica constantemente as pessoas que entram e realiza registros de biometria do maior número possível de migrantes”.O coordenador de migração da Cruz Vermelha nas Américas, José Félix Rodríguez, explicou à BBC que o uso da biometria para a gestão migratória é cada vez mais comum em muitos países. Mas ele traz preocupações em relação ao uso das informações e seu impacto sobre os direitos das pessoas.”Nossa recomendação é defender o uso ético dos dados coletados e compartilhados, de forma que sua coleta, armazenamento, tratamento, uso e distribuição não prejudiquem os direitos dos migrantes, não coloquem sua integridade em risco, nem limitem seu acesso aos sistemas de proteção internacional”, declarou ele.Mais vigilância e patrulhasAlém do fechamento dos caminhos habituais dos migrantes pelo Darién, somou-se o reforço da vigilância terrestre e marítima, desde o mês de julho.”O Serviço Nacional de Fronteiras [Senafront] estabeleceu uma série de patrulhas, com pessoal patrulhando a floresta, tentando dar maior cobertura e segurança às pessoas em trânsito”, explicou Mojica.O diretor de migração do Panamá afirma que isso “permitiu que nos concentrássemos em uma única área e, por fim, vieram resultados: diminuíram os relatos de delitos contra migrantes, como homicídios, roubos e violações”.Ele destacou que este foi um fator fundamental para a redução geral de 42% do fluxo de trânsito irregular.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, As patrulhas no tampão de Darién se multiplicaram e seus agentes têm ordem de deter suspeitos de tráfico de pessoas.O reforço da vigilância marítima também foi essencial, já que muitos migrantes chegam ao ponto inicial do trajeto em embarcações vindas da Colômbia.O Ministério da Segurança do Panamá destacou patrulhas de fronteiras da guarda costeira no sul do país e no litoral do Caribe e do Pacífico, na segunda metade de 2024.Os agentes têm ordem de deter e entregar às autoridades policiais ou migratórias da Colômbia qualquer pessoa que tente transportar migrantes irregulares de barco para o Panamá.O diretor do Senafront, Jorge Gobea, detalhou que “mais de sete embarcações realizando bloqueio da costa” patrulham as águas panamenhas todos os dias.A BBC News Mundo também conversou com o vice-ministro de Assuntos Multilaterais e Cooperação do Panamá, Carlos Guevara Mann. Ele destacou o efeito de dissuasão, tanto das cercas, quanto do aumento da vigilância na região.Guevara Mann indica que estas duas medidas “inibiram o uso das rotas não autorizadas, o que gerou maior ordenamento da migração irregular, para evitar situações de insegurança e reduzir os impactos aos direitos humanos dos migrantes”.Por outro lado, Rodríguez alerta sobre um possível efeito negativo destas medidas.”Quando um caminho é restringido ou controlado, costumam ser ativadas rotas irregulares alternativas que, em alguns casos, são mais perigosas e aumentam a exposição da população de migrantes a riscos como o comércio e tráfico de pessoas ou a impossibilidade de acesso a serviços essenciais e assistência humanitária durante a travessia”, explica o representante da Cruz Vermelha.Voos de repatriaçãoNo mesmo dia em que assumiu o mandato, no último dia 1º de julho, o presidente do Panamá assinou um protocolo de intenções com os Estados Unidos. O país centro-americano se comprometeu a desembolsar cerca de US$ 6 milhões (cerca de R$ 35,1 milhões) para financiar a repatriação de migrantes irregulares interceptados em território panamenho.Esta repatriação é realizada por meio de um programa de retorno voluntário, deportações e expulsões.Depois de identificar e registrar os migrantes no chamado “corredor humanitário” da floresta, os agentes panamenhos os conduzem a um albergue, onde eles recebem assistência até que seja decidido seu destino.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, Migrantes acampados junto ao albergue de Lajas Blancas, no tampão de Darién, no Panamá. Eles esperam uma decisão sobre seu destino.”Os funcionários selecionam quem pode ser indicado para o programa de retorno voluntário, deportações ou expulsões”, explica Mojica. “Realizamos um processo legal, que comunica a decisão e eles têm direito de recorrer. Quando chega a decisão final, providenciamos o voo, a deportação ou expulsão.”Mas a maioria dos migrantes que conseguem atravessar Darién acaba não sendo deportada e eles continuam seu caminho em direção ao norte.Desde o início do programa, em meados de 2024, 1.744 migrantes irregulares foram repatriados. Este número representa apenas cerca de 0,6% das 302.203 pessoas que transitaram pelo Panamá ao longo do ano.”São enviados de volta aos seus países de origem aqueles que representem alertas de segurança e outras pessoas que possam representar riscos para o Panamá ou outros países. E também aqueles que solicitarem voluntariamente”, explica o vice-ministro, Carlos Guevara Mann.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, A imensa maioria dos migrantes interceptados prossegue sua viagem em direção ao norte do continente.Os venezuelanos representam quase sete a cada 10 migrantes que cruzam a floresta. Eles estão isentos de deportação, pois o Panamá não mantém relações diplomáticas com a Venezuela.”O regime venezuelano não oferece a repatriação dos seus cidadãos, em aberta violação aos critérios mais elementares de direitos humanos”, denunciou Guevara Mann.Atualmente, o governo panamenho mantém acordos com a Colômbia, Equador e Índia, para repatriar migrantes irregulares, com base no programa de retorno voluntário, deportações e expulsões.Com o reduzido número de deportações, o especialista em migrações Andreas Feldmann, professor de ciências políticas da Universidade de Illinois em Chicago, nos Estados Unidos, considera que este fator “possui efeito mais simbólico” para reduzir o fluxo migratório através do Panamá.Mas ele destaca que os voos de repatriação “exercem certa influência, do ponto de vista da dissuasão”.O Darién será fechado em 2025?Não está claro até que ponto outros fatores externos, alheios às ações do governo panamenho, terão influído para a redução de 42% do trânsito migratório irregular através do tampão de Darién.José Félix Rodríguez menciona possíveis fatores como “as mudanças de políticas de asilo e acolhida nos países de destino e a alteração do contexto e de medidas de controle dos fluxos migratórios nos países de origem e de trânsito”.Andreas Feldmann menciona, mais especificamente, o endurecimento da vigilância fronteiriça nos Estados Unidos e a maior dificuldade para conseguir asilo político naquele país. Estas mudanças podem ter dissuadido muitas pessoas que planejavam percorrer a rota terrestre a partir da América do Sul.Mas ele destaca que isso poderia ser compensado pelo aumento das pressões migratórias “considerando o que aconteceu na Venezuela com as eleições, o que ocorre no Haiti e, de forma geral, o agravamento das condições na região, incluindo na Colômbia”.De qualquer forma, a redução do fluxo migratório através de Darién foi especialmente observada nos últimos meses de 2024, exatamente depois da instalação das cercas, do aumento da vigilância e do início de operação dos voos de repatriação.Em dezembro, 4.558 pessoas cruzaram a floresta – uma redução de 80% em relação às 24.626 do mesmo mês em 2023.Crédito, Getty ImagesLegenda da foto, O Panamá acredita que o trânsito migratório através da floresta de Darién continuará diminuindo em 2025, mas não considera realista fechar totalmente a passagem.A BBC perguntou ao diretor de Migração do Panamá, Roger Mojica, se o presidente Mulino irá cumprir, em 2025, sua promessa de fechar totalmente a passagem dos migrantes irregulares pelo tampão de Darién.”Quando o presidente falou em fechar a fronteira, obviamente foi em sentido figurado, porque é uma floresta”, respondeu ele. “Nem colocando um muro poderemos, subitamente, fechar taxativamente a fronteira.”Ele indicou que, no momento, as autoridades panamenhas planejam reforçar o patrulhamento da floresta e negociam com os Estados Unidos o envio de mais fundos para ampliar o programa de retorno voluntário, deportações e expulsões.”Tomara que o trânsito chegue a zero, mas a verdade é que isso irá depender de agentes externos ou de situações sobre as quais o Panamá, por si só, não tem controle direto”, conclui Mojica.
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