Resultado de uma costura entre Ministério da Fazenda, Casa Civil, empresas do setor e Congresso, o novo marco legal para concessões e PPPs (parcerias público-privadas) vai prever a possibilidade de reequilíbrio imediato de contratos em situação de emergência e fixar regras sobre receitas acessórias que podem ser obtidas parcial ou integralmente pelas concessionárias
A proposta de modernização do marco legal chamou a atenção dos investidores nesta semana, após o ministro Fernando Haddad (Fazenda) incluir a mudança na lista de 25 medidas da agenda econômica dos últimos dois anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A Folha teve acesso às principais mudanças que serão incluídas no projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. O texto prevê uma série de mudanças e aperfeiçoamentos nas leis atuais, com o objetivo de trazer mais segurança jurídica aos contratos, agilidade e investimento.
O relatório deverá ser apresentado em março pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). O tema já foi levado ao deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), que deve ser confirmado como novo presidente da Casa. O plano é levar o projeto para votação no plenário em abril.
São cinco as mudanças no projeto que despontam como as mais significativas em relação à legislação atual. A primeira, que trata do reequilíbrio emergencial dos contratos, pretende garantir a continuidade de prestação de serviço pela concessionária, em casos como o ocorrido com a inundação do aeroporto de Porto Alegre, durante as enchentes de maio de 2024.
Uma segunda mudança prevê espaço para que aportes de recursos públicos possam ser feitos em concessões tradicionais. Esse modelo é o que o Ministério dos Transportes pretende fazer, por exemplo, com as concessões de ferrovias, normalmente dependentes de alto investimento na fase de construção, mas retorno diluído nos anos seguintes e somente após a conclusão de 100% das obras.
A ideia é que o governo banque, por exemplo, a construção de uma passagem mais complexa e cara, mas que isso viabilize a construção de uma malha de centenas de quilômetros, por exemplo.
A terceira proposta diz respeito à possibilidade de compartilhamento de riscos em concessões comuns, entre o poder público e o setor privado. Devido a acontecimentos não previstos, como tragédias climáticas, por exemplo, falta clareza sobre a responsabilidade e a atuação de cada um. O projeto traz regras que permitem às empresas, a partir desse comando legal, ter esses riscos compartilhados em situações que fujam do comum.
As alterações incluem um quarto tema de relevância às atuais e futuras concessões, ao prever regras sobre receitas acessórias que podem ser auferidas parcial ou integralmente pelas concessionárias.
Em muitas concessões, como as de aeroportos, por exemplo, essas receitas extras já têm papel central no resultado financeiro, chegando a rivalizar com as tarifas de serviços aeroportuários, o que inclui serviços de mídia, restaurantes, hotéis e serviços em geral. Ao regulamentar essas receitas, o que se pretende é ampliar esses mercados, o que pode até levar à redução de preços de tarifas previstas em futuros editais.
Uma quinta medida, mais voltada às PPPs, pretende estabelecer regras mais objetivas para que empresas possam interromper serviços ou até mesmo rescindir contratos, em situações de não pagamento pelo poder público.
As PPPs, que estão muito concentradas nos estados, costumam encarar problemas como falta de garantia de orçamento. Governos estaduais, muitas vezes, alteram seus orçamentos todos os anos, atrasando pagamentos e mudando prioridades. Novas regras querem blindar as empresas de eventuais rupturas, trazendo mais garantia de recebimento e direito de paralisar o serviço prestado.
O relator do projeto afirma que a proposta é afastar no seu parecer os principais pontos hoje de instabilidade jurídica das PPPs e concessões.
Segundo ele, a ideia é introduzir nas concessões e PPPs o conceito de “contrato vivo”. “O contrato tem que ter determinadas premissas, mas ele tem que ter todo um processo de aperfeiçoamento, de compartilhamento de riscos”, diz. As mudanças estão sendo discutidas há um ano com o Ministério da Fazenda e a Casa Civil.
Arnaldo Jardim também pretende incluir medidas para facilitar a transparência da concessão e aprimoramento das regras sobre intervenção de concessão, além da extinção da concessão por relicitação ou acordo entre as partes.
O deputado cita a necessidade de vedação da recuperação judicial para as concessionárias de serviços públicos. No caso das PPPs, o parecer vai permitir a autorização expressa para utilização de fundos constitucionais para o oferecimento de garantia, contrapartida ou pagamento de contraprestações.
Jardim pretende definir em lei os limites de comprometimento da RCL (Receita Corrente Líquida) dos entes federativos para a realização de PPPs. Técnicos do governo envolvidos nas negociações avaliam que a legislação atual não dá parâmetros de prazos para a revisão extraordinária e renegociação dos contratos.
Esse é um dos principais pontos de interesse do governo para que a renegociação possa ser feita num prazo adequado, que não prejudique o Estado nem o concessionário, permitindo lidar com eventos não previstos no momento em que o contrato foi assinado.
“A atual lei de concessão, com seus 30 anos, teve papel central em tudo o que fizemos até hoje, assim como a lei das PPPs, que completou 20 anos. Mas o mundo mudou, e é preciso aprimorar essas leis. O que estamos vivendo é o amadurecimento das modelagens já aplicadas”, diz Ronei Glanzmann, diretor-executivo do MoveInfra, que reúne seis empresas de infraestrutura logística (Grupo CCR, Grupo EcoRodovias, Hidrovias do Brasil, Rumo, Santos Brasil e Ultracargo).
O especialista lembra que boa parte das medidas trazidas pelo projeto tem ocorrido em diversos setores, mas de modo infralegal, sem previsão expressa numa lei. Ao inserir esses movimentos numa legislação, a tendência é segurança nos contratos.
A necessidade dessas mudanças, diz Glanzmann, fica evidente quando se vê o papel que o TCU (Tribunal de Contas da União) passou a ter nas renegociações de contratos antigos, por meio de sua Secretaria de Consenso. “A realidade do país mudou nas últimas décadas. É preciso que os contratos se ajustem ao mundo, não o mundo aos contratos”, diz o executivo.
Haddad tem interesse em particular pelas PPPs porque trabalhou, no início do primeiro mandato do governo Lula na redação do projeto que origem à lei das PPPs.
Ele costuma dizer que criou a maior PPP do Brasil, o ProUni.
Cinco principais mudanças previstas no PL das concessões PPPs
1. Previsão de reequilíbrio cautelar/imediato do contrato de concessão
2. Entrada de aporte de recursos públicos em concessões comuns
3. Possibilidade de compartilhamento de riscos em concessões comuns
4. Abertura para receitas acessórias a serem auferidas parcial ou integralmente pela concessionária
5. Possibilidade de suspensão ou rescisão de serviços em PPPs, em caso de inadimplência ou atraso