Homem atirado de ponte por policial e morte em loja geram revolta e põem em xeque preparo da PM de SP

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Gravada em uma câmera de celular, a cena de um homem jogado de cima de uma ponte em um córrego na Cidade Ademar, na Zona Sul de São Paulo, é o mais novo episódio a pôr em xeque o preparo dos policiais militares e a política de segurança pública do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a cargo do secretário Guilherme Derrite. Tarcísio, assim como Derrite, criticou na terça-feira publicamente a agressão, e a morte de um ladrão de uma pequena loja por tiros nas costas dados por um PM de folga no dia 3 de novembro. Mas na manhã seguinte, nesta quarta-feira, um outro caso de violência policial tornou-se público. Desta vez, imagens mostram um motociclista já rendido, no chão, sendo agredido por agentes no bairro de Jardim Damasceno, na zona norte da capital paulista.

O caso que provocou maior repercussão ocorreu na madrugada de segunda-feira, quando testemunhas gravaram vídeo que mostra três PMs em uma ponte. Um deles encosta uma moto na mureta após uma abordagem, e outro segura pelas costas um homem com camiseta azul. De repente, o PM levanta o rapaz pelas pernas e o joga no córrego.

Mais letal — Foto: Editoria de Arte
Mais letal — Foto: Editoria de Arte

A Secretaria de Segurança Pública afastou 13 PMs envolvidos na ação, que estariam dispersando um baile funk nas proximidades. O Jornal Nacional informou na noite de terça-feira que a vítima é um entregador chamado Marcelo, que feriu o rosto na queda e foi levado para o hospital depois de ser socorrido por moradores de rua que estavam embaixo da ponte.

— Eu gostaria de uma explicação desse policial aí e o porquê ele fez isso — disse ao telejornal da TV Globo o pai de Marcelo, o mecânico Antônio Donizete do Amaral.

Pela manhã, nas redes sociais, Tarcísio afirmou que “aquele que atira pelas costas, aquele que chega ao absurdo de jogar uma pessoa de uma ponte, evidentemente não está à altura de usar essa farda”. Secretário de Segurança Pública, Derrite divulgou um vídeo dizendo que a ação na ponte “não encontra respaldo nos procedimentos operacionais” e “ações isoladas não podem denegrir a imagem” da PM.

O governador convocou na tarde de terça-feira uma reunião de emergência com o comandante-geral da corporação, Cássio Araújo de Freitas, o subcomandante-geral, coronel José Augusto Coutinho, e o corregedor-geral, Silvio Hiroshi Oyama. O encontro seria para corrigir rumos e punir excessos da PM.

A publicação do governador na manhã de terça-feira também se refere à morte de Gabriel Renan da Silva Soares, no dia 3 de novembro, atingido com 11 tiros nas costas ao tentar furtar pacotes de sabão em um mercado da Zona Sul da capital paulista. Vídeos divulgados esta semana contrariam a versão do policial Vinicius Lima Britto, autor dos disparos, de que ele atirou em legítima defesa, registrada no boletim de ocorrência da Polícia Civil. O agente, que estava de folga quando atirou em Renan, foi afastado e será investigado pela Corregedoria.

Os dois casos repercutiram ao mesmo tempo em que terça-feira uma perícia confirmou o que a Polícia Militar já havia antecipado como provável: partiu da arma de um policial a bala que matou o menino Ryan de Silva Andrade, de 4 anos, no morro de São Bento, em Santos, no dia 5 de novembro, em uma incursão onde também foi morto um adolescente.

As imagens do agente jogando um homem da ponte foram classificadas como “estarrecedoras e absolutamente inadmissíveis” pelo procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, que determinou que o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público acompanhe o caso. “Pelo registro, fica evidente que o suspeito já estava dominado”, disse Oliveira.

De 1º de janeiro até 29 de novembro, São Paulo teve 697 mortes decorrentes de intervenção de PMs, contra 460 em todo o ano passado, segundo o Gaesp. O aumento foi de 51%. Desse total, 595 foram cometidas por policiais em serviço e 102 por agentes de folga. Somadas as mortes por policiais civis, o estado conta 768 casos, uma alta de 66% sobre os dez primeiros meses de 2023. Em relação a todo o ano passado, a alta é de 42%.

As forças de segurança respondem por uma em cada quatro (23,9%) vítimas da violência em São Paulo entre janeiro e outubro, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Foram 2.153 vítimas de homicídio doloso no período, e 676 mortes decorrentes de intervenções policiais.

Só no mês passado, mais de 30 policiais — militares e civis — foram afastados por envolvimento em casos de violência. Além do caso de Ryan, a atuação da PM também foi criticada em novembro pela morte do estudante de medicina Marco Aurelio Cardenas Acosta, de 22 anos, baleado ao tentar resistir à abordagem policial em um hotel, depois de bater no carro dos agentes que tentaram imobilizá-lo.

No episódio de Ryan, Derrite havia saído em defesa dos policiais, dizendo que “foram agredidos a tiros”. No dia seguinte, Tarcísio afirmou que o secretário “tem se saído bem” e evitou abordar a morte da criança. Quanto ao estudante de medicina, Derrite não prestou solidariedade à família e o governador só se manifestou após cobrança de parentes, dizendo que “abusos não serão tolerados”.

Especialistas em segurança pública ouvidos pelo GLOBO apontam que os episódios se enquadram na descontinuidade de políticas de redução do uso da força policial e que os discursos de lideranças, como o governador e o secretário Derrite, contribuíram para isso.

— A postura pública da liderança importa na ponta. Se você tem um discurso que legitima a violência, isso legitima a tropa a usar a violência — aponta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

Leonardo Carvalho, pesquisador sênior do Fórum de Segurança Pública, critica as mesmas políticas.

— O programa de câmeras da PM, que era entendido como exitoso, foi questionado por Tarcísio já no processo eleitoral. Toda liderança passa uma mensagem para sua equipe — ele diz.

A advogada e tia de Renan, Fátima Taddeo, conta que a família sempre questionou a versão apresentada pelo PM Vinícius para a morte do rapaz e já havia pedido imagens do estabelecimento em que ele foi baleado, que só foram enviadas no dia 29 à Polícia Civil.

— Vimos no BO “morte por intervenção policial, tentativa de roubo e resistência”. Só que o mesmo boletim fala que tem 11 perfurações no corpo. Se ele estava tentando furtar, por que constava roubo? Não foi legítima defesa — disse.



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