O Itaú Unibanco protocolou na noite de sexta-feira (6) uma ação civil contra Alexsandro Broedel, ex-diretor financeiro do banco, e Eliseu Martins, um dos maiores especialistas em contabilidade do país, após identificar uma sociedade e transferências de recursos entre os dois que teriam beneficiado financeiramente o agora ex-executivo da instituição financeira, como publicou o Pipeline com exclusividade. Segundo investigação do banco, o ex-CFO contrataria pareceres da empresa de Martins e, por uma engenharia financeira que passaria por outras empresas, receberia parte do valor dos contratos. A assessoria de imprensa de Broedel afirmou que as acusações são infundadas e que ele tomará medidas judiciais.
Uma investigação interna conduzida pelo banco detectou que Broedel teria recebido cerca de R$ 4,86 milhões em pagamentos feitos por Martins e empresas relacionadas a ele – e que o banco concluiu que era uma forma de “rebate” pelos pareceres contábeis contratados pelo Itaú, sob a alçada do ex-CFO. O caso ocorre uma semana depois de o Itaú demitir Eduardo Tracanella, então diretor de marketing, por mau uso do cartão corporativo. Porém, não há relação entre as duas situações.
O ponto de partida para a apuração sobre Broedel se deu em julho deste ano, depois de o executivo ter pedido demissão do Itaú, onde trabalhou por 12 anos, para assumir um cargo global no Santander na Espanha. Ele foi convidado para se tornar contador-chefe da instituição ibérica em Madri – uma posição de alto escalão no grupo. O Valor apurou que Broedel chegou a ter uma conversa com o CEO do Itaú, Milton Maluhy, para permanecer no banco, mas, durante uma viagem de férias, informou que havia mudado de ideia.
O Valor apurou que quando Broedel já estava em processo de transição, no chamado “garden leave”, um dirigente do Itaú ouviu em conversa informal com terceiros que o executivo fazia pareceres na área de contabilidade para outras empresas e escritórios de advocacia, o que já seria considerado desvio de conduta. O banco começou a investigar o tema mais a fundo, segundo uma fonte com conhecimento do caso. A apuração foi coordenada pelo comitê de auditoria do banco e executada pela auditoria interna. Diante da acusação, Broedel aponta “profunda estranheza” que as suspeitas do banco aconteçam após ele assumir uma posição na concorrência.
O banco identificou de imediato que Broedel e Martins são sócios na Broedel Consultores Associados – uma relação que não teria sido comunicada, contrariando as regras de compliance, ainda que conste na junta comercial. Os administradores do banco precisam fazer duas declarações anuais: a primeira, sobre pessoas ou entidades relacionadas, na qual Broedel identificava deter 80% da empresa de consultoria aberta décadas antes; e a segunda, sobre potencial conflito de interesses, em que Broedel declarou não ter relacionamentos que pudessem ensejar conflito, como um vínculo com fornecedor.
Martins era o acionista com os outros 20% da Broedel Consultores Associados e também é sócio da Care Consultores, junto com um de seus filhos, Eric. Em nome do Itaú, Broedel contratou 40 pareceres da Care nos últimos cinco anos – por ocupar um cargo equivalente a uma vice-presidência, ele tinha autonomia para fazer esse tipo de contratação. Por esses contratos, o banco pagou R$ 13,25 milhões entre 2019 e a metade deste ano. Do total de pareceres, 36 foram assinalados como recebidos por Broedel e quatro teriam sido pagos antecipadamente. Mas, além desses ainda não entregues, o banco não conseguiu localizar 16 dos que já teriam sido dados formalmente como feitos.
O banco, então, ampliou o escopo da apuração, com análise de movimentações de conta corrente de Broedel – o que segundo a instituição seria uma prerrogativa legal diante de indícios de irregularidades em cargos estratégicos. E identificou pagamentos provenientes de escritórios de advocacia e de empresas relacionadas a Martins para o ex-executivo.
Segundo a investigação, a Care repassava capital a uma empresa chamada Evam, que pertence a Eric Martins e ao outro filho do professor, Vinicius Martins. A Evam, por sua vez, transferia dinheiro para contas pessoais de Broedel ou para a conta da Broedel Consultores Associados. O executivo e sua consultoria receberam cerca de R$ 4,8 milhões no que o banco identificou como “rebates” – depósitos que eram feitos em datas conseguintes ao pagamento do Itaú pelos pareceres de Martins.
De 56 transferências das empresas da família Martins para Broedel, 23 foram feitas no mesmo dia ou com pouco espaço de tempo em relação ao pagamento feito pelo Itaú à Care, com valores correspondentes a 40% de cada depósito. O Valor teve acesso a um documento que lista as notas fiscais e os respectivos pagamentos a Broedel que teriam sido feitos na sequência.
No início de setembro, o banco fez o primeiro questionamento ao ex-diretor, sobre movimentações atípicas nas contas, atividade externa não declarada e conflito não declarado. A atividade externa que Broedel declarava ao banco era sua atuação como professor da USP, e o executivo teria justificado a prestação de serviço de parecer técnico como uma atividade inerente à posição acadêmica. Teria dito, ainda, que eram públicos e notórios sua amizade e seu relacionamento profissional com Martins, sem fazer menção à sociedade, e solicitou 30 dias para justificar as movimentações financeiras. Nesse período, contratou a criminalista Sônia Ráo, do escritório Ráo e Lago Advogados.
O banco decidiu fazer o desligamento definitivo de Broedel em 24 de setembro – já que, durante a quarentena, o executivo continuava na folha de pagamento da instituição. E foi buscar explicações de Martins.
Para alguns dos pareceres não encontrados, teria havido a explicação de que, na verdade, se tratava de serviços de consultoria para o Itaú – uma nuance que também chamou atenção da instituição. O banco tem uma área centralizada de compras, mas há quatro tipos de serviço contratados fora dessa área, entre eles os pareceres, mas não a consultoria.
Em assembleia de acionistas do Itaú Unibanco S.A. que ocorreu às nove da manhã da última quinta-feira (5), na Torre Olavo Setubal, para tratar do assunto, o banco decidiu tomar “todas as medidas legais cabíveis”. Como proteção legal do banco, o Itaú pede a anulação das aprovações de contas do ex-CFO, e quer ainda a responsabilização do executivo e do fornecedor nas esferas administrativa e judicial. A ata dessa reunião foi publicada na edição deste sábado no jornal O Estado de S.Paulo.
Na noite de sexta-feira (6), o Itaú protocolou um “protesto interruptivo de prescrição” no Tribunal de Justiça de São Paulo, uma ação civil que pede o congelamento de prazo legal para buscar responsabilizações judiciais. No processo 1194303-51.2024.8.26.0100, que teve entrada às 20h31 e aguarda distribuição na vara cível, o Itaú já inclui um pedido de indenização pelos 16 pareceres dados como recebidos e não localizados (no valor de R$ 5,14 milhões) e pelos quatro pareceres pagos antecipadamente e não entregues (R$ 1,5 milhão). Além disso, pede indenização pelos R$ 4,86 milhões que teriam sido repassados pela Care a Broedel.
A instituição não consegue identificar se houve prestação conjunta de pareceres para outras empresas, e, portanto, quanto movimentou no total a sociedade entre eles. Como os procedimentos devem envolver o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o órgão pode pedir apuração do CPF e do CNPJ em outros bancos.
Desde o início das investigações, o Itaú fez três comunicações ao Banco Central. O regulador deve abrir procedimento administrativo e levar o caso à esfera criminal por meio do Ministério Púbico Federal. Haveria indícios de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e associação criminosa, segundo fonte a par das apurações.
Martins deixou de ser fornecedor do Itaú. Seus filhos, Eric e Vinicius, também são citados como parte na ação do Itaú.
Procurado pelo Valor, o Itaú disse, em nota, que identificou que seu ex-administrador Alexsandro Broedel “violou gravemente o Código de Ética da instituição, ao exercer atividade externa incompatível com seu cargo, e manter sociedade com fornecedor técnico-contábil do banco, não declaradas aos controles internos, que se renovam anualmente”.
Ainda na nota, o banco afirma que o executivo transgrediu as regras internas e as leis aplicáveis, usando irregularmente as alçadas do seu cargo. “Foram apurados, ainda, fortes indícios de que o fornecedor redirecionava parte do recebível diretamente para contas de Alexsandro Broedel Lopes”, afirmou. O banco diz que se trata de uma situação isolada e que não há prejuízo relevante à instituição.
“O Itaú reafirma que seu robusto ecossistema de políticas e processos de ética e conformidade permanecem íntegros e não houve falha interna neste sentido. Com a devida tempestividade e transparência, o Itaú reportou o caso a todos os órgãos reguladores competentes. Por fim, declara que está ajuizando as medidas adequadas contra Broedel Lopes e o fornecedor para buscar o ressarcimento dos valores. Ética é um valor inegociável do Itaú Unibanco, por isso, não toleramos e não toleraremos qualquer desvio de conduta, de qualquer hierarquia, e buscaremos reparação, mesmo em casos como este, em que o envolvido não faz mais parte dos nossos quadros”, escreveu o Itaú.
Ao Valor, Broedel refutou as acusações, que chamou de “infundadas e sem sentido”. “Alexsandro Broedel sempre se conduziu de forma ética e transparente em todas as atividades ao longo dos seus 12 anos no banco – algo nunca contestado pelo Itaú, que tem uma rigorosa e abrangente estrutura de controle e compliance, própria de um grupo financeiro com seu porte e importância na economia brasileira. O parecerista mencionado pelo Itaú já prestava serviços ao banco há décadas, muito antes de Broedel ser convidado para a diretoria da instituição”, afirma a nota por parte do executivo.
“Os serviços mencionados eram do conhecimento do Itaú e requeridos por diferentes áreas do banco. Causa profunda estranheza que o Itaú levante a suspeita sobre supostas condutas impróprias somente depois de Broedel ter apresentado a renúncia aos seus cargos no banco para assumir uma posição global em um dos seus principais concorrentes, cumprindo o período de quarentena definido pelo banco. Alexsandro Broedel tomará as medidas judiciais cabíveis neste caso”, complementa.
Eliseu Martins ainda não comentou. Essa reportagem poderá ser atualizada para inclusão de posicionamento.